Gotham Knights – Análise

Se estás a ler esta análise é porque o Batman morreu. Gotham volta a sofrer, porque é uma cidade que vive do sofrimento alheio, do engano, da deceção. Mas o filho da noite, aquele que abraçava a cidade apesar de todos os seus defeitos, já não está cá para a segurar pelo colo. E eles sabem. Noite após noite, dependemos da sorte e principalmente do azar de nos cruzarmos com alguém menos recomendável que vê também a noite como uma companheira do crime e perversão numa qualquer viela suja. O morcego não voltará a sobrevoar o negrume e a noite poderá ser eterna. E agora? Quem se erguerá para defender a sua dama decrépita? Quem herdará o trono da cidade que trata a corrupção como um ente querido? Como dizia o agora falecido herói/vilão alado: “Ou morres herói, ou vives o tempo suficiente para te tornares vilão”. A escolha está servida. E esta é a minha.


O Quarteto (não tão) Fantástico na Cidade do Crime

Sem Batman, toda a anarquia que já definia o espectro citadino corre o risco de se tornar epidémica. As pessoas falam sobre isso, os vilões desconfiam e aqueles que contavam com o morcego tecnológico temem saber a verdade. Mas é do desespero que se formam oportunidades. Quatro jovens com diferentes estórias de vida e de formação apresentam-se como substitutos do insubstituível. Red Hood, um colosso de força física e de mente fragilizada por se ter erguido dos mortos e ter perdido para sempre parte da sua vida, Night Wing, o circense nascido e criado, de humor ligeiro e seriedade quando se exige, Bat Girl, a mais enigmática dos vigilantes, com conhecimentos tecnológicos que se aproximam dos da figura alada que já não os protege, e Robin, o segundo ou terceiro Robin, que representa um jovem imaturo, convencido e cheio de certezas que a vida vai tratar de desfazer.

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O que os une parece ser mais forte do que os separa, mas nota-se que não há grande vínculo de união. Parecem partilhar de uma premissa comum, mais ou menos forte e justificada, mas o elo vem de Batman e de tudo o que representa para cada um deles. Mas podemos claramente dizer que a soma das suas partes não se aproximam sequer do ícone falecido.

Gotham está suja, bafienta e com aquela chuva que insiste em cair, mas que não lava as almas dos habitantes. Há toda uma aura de pessimismo, podridão e descrédito nas fachadas taciturnas dos prédios, no céu que insiste em não deixar que o sol brilhe, nos discursos ocos e sem esperança dos habitantes que deambulam na noite da cidade do crime. No entanto, há uma beleza quase doentia na forma como os seus cinco distritos são apresentados, com um crime a cada esquina (literalmente), caixas com bens essenciais para evoluir personagens, fatos e armamento, missões e missões intermináveis de busca e procura, disseminação de informação falsa sobre a morte de Batman, deteção de drones, descoberta de arte e locais de interesse arquitetónico… A cada momento passado na cidade, a sua fórmula convoluta depressa substitui a tão desejada descoberta e exploração em algo forçado e repetitivo, assemelhando-se a uma rotina de uma qualquer cidade, onde o trabalho subjuga e esmaga quem lá vive. E isto não é exceção para os vigilantes, que tentam numa vã esperança transformar Gotham naquilo que não é há muito tempo.

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O próprio ritmo compassado nos dias passados em Belfry, esconderijo onde obtemos informações para podermos avançar na narrativa e antecipar crimes, e a noite, em que se luta de forma inglória contra hordas de criminosos para obter mais informações, os pontos de experiência e materiais para fazer melhoramentos. E o vício deste ciclo normaliza demasiado esta experiência que se queria impactante e não rotineira. Vamos encontrando alguns conhecidos da saga, como Penguin, Harley Quinn e até Mr. Freezer, mas todos parecem estar fora da resenha principal, envolvidos em pequenos desenvolvimentos da estória principal que alimenta a Court of Owls como instituição a temer.

Beware the Square! (Temam o Quadrado!)

Gotham de outrora,  falando-se de rendições da Rocksteady Studios, pode comparar-se aqui a nível imagético, mas pouco mais. O elemento chave para que a franquia Arkham seja colocada num plano bem mais elevado do que Gotham Knights passa também pela combinação da simplicidade do combate com a maestria necessária para o dominar. Por aqui, temos apenas a versão simplista. Não há recompensa maior do que os “kapows!” dessa saga, pois o xadrez do golpe e contra-golpe, defesa e ataque são imensamente satisfatórios. Nesta Gotham de Montréal, o pressionar furioso do botão de ataque leve serve para limpar zonas infestadas de inimigos de diferentes aspetos, mas de semelhanças que roçam o genérico. E com uma obra que intensifica ao máximo o número de inimigos e ocasiões em que se enfrentam, não contribuem para uma experiência construtiva e de aprendizagem. O que se precisa saber é apenas que o botão do quadrado serve para meter na linha quase todos os residentes mal intencionados de Gotham.

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Quando o botão de pausa se clica e o silêncio das noites chuvosas desaparece, o pânico instala-se. A imensidão de menus e sub menus! Assoberba o mais afincado jogador de RPG’s puros, sem dúvida. Com missões detalhadas, submissões em catadupa, cada pedacinho de lore explicado ao ínfimo pormenor, ficheiros áudio, vídeo, e-mails. É mesmo muito para absorver. Tanta é a informação, mas tão pouco é explicado. Os exemplos dos menus para evoluir os nossos heróis em formação são confusos e difusos. Crafting, espaços para modificações nos fatos, árvores de competências através de subidas de nível… E nada nos é explanado. Basta-nos passar umas noites a combater o crime, dirigiremo-nos ao nosso esconderijo e evoluir carregando num simples botão, sem mais explicações. Para RPG de ação, exigia-se saber mais. A não ser que RPG signifique apenas Resta Premir Gatilhos. Não há escolha.

Cada jovem vigilante tem as suas armas que vão recebendo melhoramentos através deste processo que defrauda quem gosta de decidir o seu próprio destino, mas elas parecem sempre ter o mesmo “peso” e a única mudança notória é o número de pontos que retiram à barra de vida dos adversários. E isto não chega para criar a tão desejada diversidade.

Uma mão amiga nem sabe o bem que lhe fazia

O meu julgamento final de Gotham Knights chega mais tarde do que se esperava, pois era imperativo o escrutínio do modo cooperativo. E justificou relativamente bem a espera, pois tudo se torna mais acessível quando todo o fardo das missões-recado pode ser repartido. A liberdade para explorar o longo mapa de Gotham é total para cada um dos nossos campeões, dividindo o escárnio das incumbências inevitáveis. Os poderes são equiparados por ambos os jogadores, e uma missão que já tenha sido realizada por um deles pode ser ignorada, evitando essa repetição desnecessária. Pena que as pequenas notas cinematográficas que acompanham estas missões em dueto se mostrem incongruentes, com uma das personagens a não aparecer ou até com outro tipo de bicho de desenvolvimento altamente risível, sendo o seu pináculo as peças de roupa pontiagudas que derrubam qualquer parede de seriedade que a cena pode empregar.

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Já no que diz respeito a Gotham a trinta frames, não foi possível vislumbrar grande alarido no tempo passado desvendando a estória podre da instituição tão velha quanto Gotham, The Court of Owls. Apenas pequenos soluços nas áreas mais repletas de inimigos ou na lenta e pouco entusiasmante mota Macal XF-17, como a do meu tio-avô, que se arrasta de um lado para o outro, pelo menos até conseguirmos desbloquear a forma de nos deslocarmos através do mapa.

Já no modo cooperativo, foi-se notando mais e mais. É realmente dececionante um mundo tão decrepitamente lindo ser visto como se de uma série na Netflix com má qualidade de internet se tratasse, cheio de gaguejos e tropeços que irritam os mais tolerantes. Os amantes deste mundo, e de toda a sua envolvência, mereciam mais e melhor.

Considerações finais

Gotham Knights foi assumidamente querido pelos apaixonados da saga Arkham, que hipersalivavam a cada desenvolvimento anunciado, esperando aqui encontrar a sua nova dose de Rocksteady Studios que tarda em chegar. Sem dúvida que a WB Montréal foi aproveitando esta boleia de propaganda ao estar associado à fina flor dos jogos de ação. Mas começou a perceber-se que quanto mais se aproximava a data de lançamento e mais se via e sabia de Gotham Knights, o entusiasmo esmorecia e as vozes que o potenciaram depressa marcharam para o outro lado das caixas de comentários.

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Este jogo não deixa de ser competente, com uma beleza particular e com um conteúdo histórico que agradará aos mais interessados, mas denotando vários problemas de mecânicas e fluidez nunca poderia ser considerado um sucesso. A barreira estava tão alta que a queda foi abrupta. Não é herói, nem vilão. Será apenas mais um que tentou emular, não inovar. E deixa aquela sensação esmagadora de algo que poderia ter sido brilhante, mas que não passa duma pequena estrela (de)cadente.

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Gotham Knights vive num mundo onde nada se perdoa e a expectativa superou largamente a realidade apresentada.


+ Cutscenes intensas
+ Co-Op melhora a experiência
+ Lore aos molhos

– Combate dececionante
– Frame rate
– Demasiado para fazer

N.R.: A análise a Gotham Knights foi realizada numa Playstation 5 com uma cópia do jogo cedida pela Upload Distribution.

Paulo Tavares: Professor de ocupação, jogador por diversão. Guarda religiosamente as cassetes do seu Spectrum 128k. Leva demasiado a sério a discussão de melhor Final Fantasy. 7, fim de conversa.
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