O lado humano de Strikers Edge

A entrevista não é de agora, mas com o lançamento de Strikers Edge marcado para 30 de janeiro damos a conhecer um olhar único sobre o outro lado da criação do videojogo. Estávamos em setembro de 2017 e para o estúdio Fun Punch Games era a véspera de mais uma submissão de Strikers Edge para a análise da Sony Interactive Entertainment.

O verão tinha sido particularmente difícil e pouco animador: três meses antes, em junho, a Sony tinha anunciado um conjunto de novas tecnologias para os seus sistemas de jogo. Enquanto lá fora o sol convidava ao merecido descanso, o estúdio viu-se a braços com um grande volume de alterações.

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Guess what? Tivemos de alterar o jogo todo, grande parte do jogo teve de ser revisto. As bibliotecas da Sony mudaram todas, acabas por estar o verão não a fazer verdadeiro polimento, mas a fazer atualizações de uma coisa que ainda não saiu. Agora motiva lá o pessoal para fazer as atualizações”.

O momento recordado por Ricardo Flores, um dos elementos da Fun Punch Games, esconde em si uma carga emocional muito maior. Aqueles que têm acompanhado o desenvolvimento do jogo sabem que o objetivo inicial era lançar Strikers Edge no final de 2016. E que depois passou para maio de 2017. E que havia vontade de que pudesse chegar ainda antes do final de 2017.

O estúdio viveu na pele, mais do que uma vez, aquela que seguramente é uma das piores sensações para quem desenvolve videojogos – ver o grande momento do lançamento ser adiado.

“É uma lição que ainda estamos a aprender”, disse na altura Filipe Caseirito, que juntamente com Tiago Franco é um dos criadores originais de Strikers Edge. “Mesmo ao início é um pouco negação e quase não queres falar com a comunidade para não teres de dizer ‘epá, atrasou’. Por outro lado se não fazes isso, tens logo alguém a dizer ‘então, já ninguém está de volta disto, morreu, ainda nem saiu e já não ligam a ninguém’”.

“Aqueles comunicados que as grandes empresas enviam a dizer ‘Odiamos fazer isto, mas temos que adiar o jogo X ou Y’, (…) já tinha alguma empatia com a situação, mas agora estando do lado de cá é ainda mais fácil de perceber o porquê de eles odiarem… eles são os primeiros a odiar. Mas depois é aquilo que o [Shigeru] Myamoto diz: um jogo mau é sempre mau, mas um jogo adiado pode ser um bom jogo”, acrescentou logo de seguida Tiago Franco.

“Quando isso acontece ficas tipo ‘E agora quando é que vai ser?’. Internamente a coisa gere-se mal a determinada altura porque a vontade de às vezes pegar no projeto começa a… Passaste 15 dias a dormir três a quatro horas, a polir tudo como se fosses lançar e depois não vais lançar. Isso aconteceu-nos principalmente na meta de maio”, explicou Ricardo Flores. “O final de maio foi o momento mais baixo. Não é uma inconfidência, espero que ninguém fique chateado por dizer isto, estivemos à vontade três semanas sem pegar no projeto a seguir. Não havia pachorra, aí houve um momento de frustração”.

A confirmação de que o jogo não seria lançado em maio teve um impacto duro na moral da equipa. Tiago Franco disse mesmo que era algo que se sentia no ar. Quando o email chegou, chegou para todos os elementos da equipa que começaram a olhar entre si, pois quem leu o email quis perceber se a novidade já tinha chegado aos outros ou se teria de assumir o papel de portador das más notícias.

Foi por isso que a questão da atualização tecnológica do jogo acabou por ser um desafio ainda maior. Foi mais um quilómetro extra de corrida depois de já vários quilómetros extra de corrida terem sido feitos pela equipa.

“Aqueles últimos 10% [de desenvolvimento] são 90% do trabalho. Parece que é uma frase feita, mas se dividirmos em fatias de tempo, não é. (…) Fizeste aquele último quilómetro três vezes, parece que a maratona não acaba”, detalhou Filipe Caseirito. “É como se houvesse um aumento da meta, alguém a puxar a meta para a frente, tu a quereres apanhar e eles a fugirem”, completou Tiago.

Junta-se água e deixa-se ferver

À sempre complexa gestão do lado humano de um projeto, quando falámos do desenvolvimento de um jogo independente, sobretudo num mercado como o português, também temos que juntar a gestão do lado financeiro. Filipe Caseirito diz em jeito de brincadeira que parte do segredo da gestão financeira passou pela confeção de muitos noodles.

“Ainda hoje houve noodles. Ramen, noodles, airbnbs partilhados, malta a dormir mal uns por cima dos outros, faz parte”, disse por sua vez Ricardo Flores na entrevista de setembro com o FUTURE BEHIND.

“Hotel, o que é isso?”, pergunta Tiago. “Num hotel não há noodles”, responde Filipe.

Strikers Edge é conhecido por todos como o jogo que ganhou a primeira edição dos Prémios PlayStation em Portugal, como o jogo português que deu cartas na E3, como o jogo que esteve nomeado para o SXSW Gaming, como o jogo que já esteve em alguns dos maiores eventos europeus da indústria como a Gamescom e por ser, muito provavelmente, o jogo português mais badalado dos últimos anos.

Mas o gabarito que o jogo tem conquistado em termos de exposição mediática não conta a história toda. “O investimento que tivemos do publisher era precisamente para aquele objetivo inicial que tínhamos de lançamento, depois disso renegociámos um bocadinho, mas nada que fosse para todo este prazo que tem o projeto”, explicou Ricardo Flores.

“A Fun Punch enquanto empresa é do Tiago e do Filipe, mas acaba por haver um sacrifício meu, do Diogo e de quem trabalhou no projeto para que o jogo fosse até à fase final. Há um investimento nosso também pessoal, ao contrário do que algumas pessoas pensam, as idas aos eventos não são todas pagas pelos publishers, nem pela Sony. São pagas por nós porque sabemos que precisamos deles”.

Se a passagem pelos eventos internacionais foi essencial para tentar garantir bons níveis de venda do jogo quando este for lançado no dia 30 de janeiro, a Fun Punch Games foi inteligente ao saber integrar a gestão do lado financeiro com o lado humano da empreitada que é criar um videojogo.

“Esses eventos são a oportunidade para estarmos com outra perspetiva sobre o jogo e mais perto das pessoas que trabalham no jogo e jogam o jogo. Isso recarrega as baterias e ver esse lado humano ligado ao jogo traz um alento muito, muito grande. Faz muita falta a qualquer programador, mesmo que seja um programador que tipicamente não vai tanto a eventos, e é bom que vá porque alimenta muito a força da equipa”, explica Tiago Franco.

Não é por isso de estranhar que quando se pergunta aos elementos da Fun Punch Games quais os momentos altos desta sua aventura, esses momentos estão quase sempre ligados à presença em eventos. Ricardo Flores aponta a presença no SXSW Gaming como um dos momentos que viveu com maior intensidade, enquanto Filipe Caseirito destaca por exemplo o prazer que teve em disputar uma partida de Strikers Edge com Mike Rose, uma figura proeminente no mundo dos videojogos e de quem o criador português é fã.

“Tu viste, quer eu quer ele na primeira ronda saltamos os dois do puff…”, lembra Filipe Caseirito.

“Estiveram os dois a jogar um contra o outro e nunca tinha visto o Filipe a quase perder um jogo, quando o outro estava a jogar pela primeira vez”, acrescentou Ricardo Flores. Aparentemente Filipe Caseirito tem uma estratégia para novos jogadores: deixa-os ganharem o primeiro jogo e analisa se a pessoa percebeu ou não as mecânicas de luta; nos dois combates seguintes impõe o facto de ser uma das pessoas com mais horas jogadas de Strikers Edge.

Com Mike Rose foi diferente: não só foi uma das pessoas que mais rápido percebeu as mecânicas de Strikers Edge, como também não estava a lutar contra o verdadeiro Filipe Caseirito, mas sim contra um Filipe Caseirito que também é seu fã.

Já Diogo Andrade, o arquiteto da vertente online de Strikers Edge, escolheu um momento completamente diferente como o seu preferido: “A primeira vez que vi a minha inteligência artificial a desfazer-vos”.

Há males que vêm por bem

O facto de o jogo ter sido adiado mais do que uma vez acabou por ter um lado positivo: permitiu que Strikers Edge evoluísse de forma significativa. O que ao início era um título pensado exclusivamente para ser jogado online, acabou por evoluir para um formato mais tradicional e ao mesmo tempo mais completo, contemplando também um modo campanha que pode ser jogado a solo e sem acesso à internet.

“Desde que vimos que não íamos conseguir lançar antes do final do ano [2016], começámos a pensar ‘ok, então com este pequeno tempo extra o que conseguimos meter mais no projeto?’. (…) A partir daí começámos a fazer a campanha”.

Depois o estúdio também quis aproveitar o lado emocional que Strikers Edge desperta nos jogadores. O título tem uma vertente muito competitiva e, como já dissemos uma vez, é constituído por lutas bárbaras com mind games – ou seja, é um jogo que puxa muito pelos nossos instintos, mas também puxa bastante pela nossa capacidade de sermos inteligentes ao ponto de antecipar aquilo que o adversário vai fazer.

Quem já jogou ou já viu Strikers Edge a ser jogado sabe provavelmente do que falámos. Para o caso de não saber, os seus criadores querem garantir que vai descobrir muito em breve.

“Às vezes quando as pessoas estão nos torneios, quando as emoções estão mais à flor da pele, as emoções sobem e os jogadores mandam aqueles berros que atraem mais gente, isso está a vender o jogo por si só. Se conseguirmos trazer essa forma de vender o jogo através do Twitch, é mais fácil. Daí que achamos que era importante este tipo de jogo ter essa integração e oferecer uma ferramenta aos streamers para interagirem com as comunidades deles”, contou Tiago Franco.

Esta foi outra das grandes novidades que Strikers Edge acabou por receber fruto dos adiamentos que viveu. “Foi-nos sempre dando tempo para irmos fazer as coisas e não estarmos à pressa a tentar enfiar novas funcionalidades dentro do jogo”, considerou Ricardo Flores.

Os meses foram passando e o jogo foi crescendo. Quando for lançado no final do mês, Strikers Edge vai estar disponível em dez idiomas e vai estar à venda em versão física nas lojas de retalho, duas realidades muito distantes daquela que teria acontecido se o jogo tivesse sido lançado no final de 2016, tal como os seus criadores originalmente ambicionavam.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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