Fazer pirataria de videojogos não compensa

Nada justifica roubar o trabalho dos outros. Deixemos isso claro desde já. Mas nada justifica roubar o trabalho dos outros sobretudo quando esse trabalho está cada vez mais acessível. Há muitas boas oportunidades ao longo de todo o ano para comprar videojogos bem abaixo do seu preço de mercado. Por que razão ainda há quem procure descarregar um jogo ilegalmente?

A resposta mais óbvia será ‘nada bate o que é gratuito’ e a pirataria de videojogos é gratuita. Mas quem gosta verdadeiramente de videojogos não olha apenas para esta questão, olha igualmente para a experiência que está associada à forma como esse jogo é conseguido.




Quando falámos em pirataria de videojogos referimo-nos sobretudo ao mundo dos computadores já que nas consolas domésticas – Wii U, Xbox One e PlayStation 4 – a pirataria é quase inexistente.

Atualmente comprar um jogo no computador é tão simples como abrir uma plataforma como a Steam, selecionar o título escolhido e validar a compra. O software trata de todo o processo de download e instalação, funcionando ainda como um centro de acesso rápido para todos os jogos que essa pessoa já comprou.

Esta simplicidade da Steam – e quem diz a Steam diz outros mercados como o GOG, Origin ou Itch.io – contrasta por exemplo com a ‘trabalheira’ que vários piratas informáticos estão a ter para desbloquearem o Denuvo.

Há videojogos com vários meses de mercado que ainda não foram derrotados pelos crackers, significando isto que muito provavelmente ainda há muitos consumidores que estão pacientemente à espera que saia a versão pirata do jogo para experimentá-lo finalmente.

Um relatório da empresa Tru Optik concluiu que em 2014 foram pirateados 2,4 mil milhões de videojogos, resultando em potenciais perdas de 74 mil milhões de dólares. Nesse ano a indústria de gaming faturou 83,6 mil milhões de dólares

Não há estudos específicos sobre a quantidade de pessoas que está à espera que o jogo X seja crackado para o descarregarem. Mas basta acompanhar as tendências nos sites de torrents para ver que quando um jogo é crackado com sucesso, o seu posicionamento na lista dos títulos mais pirateados aumenta nos dias seguintes.

A probabilidade de um jogo pirateado ter alguns dos seus ficheiros corrompidos também aumenta, pois foi preciso mexer no código da produção para conseguir desbloquear o título dos sistemas antirroubo. Isto significa que há uma ligeira hipótese de o jogo estar estragado em determinada altura da campanha, simplesmente porque é pirateado.

Lutar contra a pirataria

Há já vários estúdios de videojogos que estão a desenvolver ‘marcas de água’ para os jogos que são pirateados. Na prática são pequenos truques implementados nos videojogos e que têm como objetivo ‘arruinar’ a experiência de jogo para todos aqueles que não querem pagar por ele.

Em Serious Sam 3 o estúdio Croteam decidiu criar um inimigo invencível que aparecia apenas aos jogadores das versões pirateadas – era portanto impossível chegar ao final do jogo. O mesmo estúdio colocou outro sistema engenhoso em The Talos Principle – em determinado momento do jogo era necessário usar um elevador e nas versões piratas, o elevador parava a meio da viagem, sendo impossível sair dali.

Há outras abordagens mais relaxadas por parte dos estúdios, mas que não deixam de ter um efeito dissuasor. Em Quantum Break, por exemplo, a personagem principal do jogo ganha uma pala de pirata em algumas versões pirateadas.

O objetivo destas artimanhas é sempre o mesmo: minar a experiência de jogo para os piratas. É também um certo reconhecimento dos estúdios de que a pirataria nos computadores é algo inevitável, mas algo que pode ser combatido com um pouco de engenharia, criatividade e sensibilização.

O preço

Mas com ou sem experiência de jogo estragada, o que continua a mover a pirataria nos videojogos é a questão do preço. Sobretudo nos grandes lançamentos, um videojogo pode custar perto de 70 euros – um valor que muitos consideram elevado, sobretudo se for uma versão digital.

Esta é uma questão debatível – devem as versões digitais ser mais baratas apenas porque dispensam os encargos com o hardware? -, mas não é a questão que está aqui em causa. A questão é: nos dias atuais o preço inicial de um jogo importa assim tanto?

É evidente que nem todos os jogadores têm possibilidade de comprar todos os jogos novos que lhe interessam por 70 euros. Mas quem está ligado ao mundo do gaming sabe que é uma questão de apenas alguns meses – não anos, meses, poucos meses – até que esse jogo sofra um desconto significativo.

Ainda este fim de semana o jogo Deus Ex Mankind Divided esteve com um desconto de 70% na Steam – uma promoção que é feita pouco mais de meio ano depois de o jogo ter sido disponibiliza no seu típico preço ‘AAA’. Em vez dos 49,99 euros pedidos por norma, o jogo estava a 14,99 euros.

A Steam é talvez o exemplo mais crítico desta realidade pois devido ao grande volume de jogadores que tem na sua plataforma, assim como ao grande número de jogos disponíveis, consegue também os melhores acordos para as iniciativas de desconto. Os descontos que chegam muitas vezes aos 80% são uma constante nesta plataforma.

Sempre que a Steam lança as suas maiores campanhas de descontos, difícil é escolher onde vai gastar o pouco dinheiro que possa ter. É tanta a oferta e em moldes tão competitivos que o mais provável é conseguir comprar vários jogos pelos tais 70 euros que em condições normais apenas lhe garante um jogo na data de lançamento.

O facto de ter de esperar vários meses para poder agarrar o jogo que tanto quer acaba por cortar um pouco aquela sensação única de jogar o jogo que tanto queremos no dia do lançamento. Mas mais vale esperar alguns meses e ter acesso à melhor das experiências do que estar a sujeitar o computador a jogos pirateados e com código não verificado. Quantos computadores não ficaram infetados por malware porque os seus donos tentaram todos os cracks possíveis e imaginários para um determinado jogo?

Aos poucos a indústria dos videojogos está a tirar aos consumidores os argumentos que na cabeça de alguns ajudavam a justificar a pirataria. O mesmo pode ser visto do lado das consolas – mesmo sabendo que as tecnologias de proteção estão mais avançadas, os serviços de subscrição Xbox Live e PlayStation Plus, assim como as campanhas constantes que a Microsoft e a Sony fazem nas suas plataformas, desencorajam fortemente a necessidade de estar a desvirtuar a consola.

Em 2016 a Microsoft ofereceu perto de 930 euros em videojogos aos utilizadores do serviço Xbox Live. Já a Sony Interactive Entertainment ofereceu perto de 1.100 euros aos subscritores do PlayStation Plus.

Mais uma vez, não há qualquer estudo científico que comprove esta ideia, mas não é difícil de imaginar que estes serviços mais completos, ainda que por subscrição, tenham contribuído para o facto de a Xbox One e a PlayStation 4 estarem neste momento quase invioláveis no que diz respeito à pirataria.

Se não há números na indústria dos videojogos sobre este tema, há números de outras indústrias que ajudam a comprovar que serviços de qualidade a preços competitivos fazem as pessoas desistir da ‘vida pirata’.

Do lado das séries e dos filmes o Netflix é disso exemplo. Do lado da música temos o Spotify. Um estudo recente e patrocinado pela Agência de Propriedade Intelectual do Reino Unido revelou que entre o final de 2015 e os primeiros meses de 2016 o número de pessoas que consumiam conteúdos digitais de fontes legais tinha aumentado 3%, para um total de 44%.

Na 2ª Conferência Economia Digital e Direito, organizada em Lisboa há poucas semanas, o diretor-geral da GEDIPE, Paulo Santos, adiantava que também em Portugal “os acessos aos serviços de video on demand estão a subir de uma forma também bastante considerável” e que o acesso a sites de pirataria, fruto do bloqueio feito através do Memorando de Entendimento contra a distribuição ilegal de conteúdos, fez cair em 65% o tráfego nos sites piratas de filmes, séries, música e videojogos.

Sabendo que há cada vez mais opções de escolha legais, que essas opções de escolha são cada vez mais acessíveis em termos de preço, que há jogos ‘minados’ nas suas versões piratas e que o seu computador pode ficar à mercê de piratas informáticos, será que ainda há motivos para a pirataria de videojogos?

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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