Xenoblade Chronicles 3 – Análise

Xenoblade Chronicles 3, embora pareça o terceiro elemento de uma trilogia, sabe a muito mais. Provavelmente porque é, mais do uma iteração, o culminar de 24 anos de experiências e trabalho da equipa de Tetsuya Takahashi, primeiro em Xenogears e depois, fora da antiga Squaresoft, na sua Monolith Soft, com Xenosaga I, II e III e os mais recentes Xenoblade Chronicles I, X e II.

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E estes 24 anos sentem-se em cada interação com Xenoblade Chronicles 3, cada segundo passado neste mundo que nos absorve e consome desde o primeiro minuto. Se pensavam que esta era uma análise sem frases controversas, desenganem-se: na minha opinião, estamos perante o provável melhor JRPG dos últimos 20 anos.

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Aionios, um Mundo por explorar

A experiência com Xenoblade Chronicles 3 é bastante simpática para todos os tipos de jogadores. Somos introduzidos à premissa inicial da narrativa – duas nações em guerra, durante um período de tempo que nos é ocultado – e colocados imediatamente na linha da frente com Noah, Eunie e Lanz. Nesta primeira hora, é-nos ensinado os três principais papéis no combate, dividido entre as classes atacantes, curandeiras e defensivas. 

Cada camada e mecânica do combate é-nos introduzida como se de um menu de degustação se tratasse. Não recebemos a informação toda em enxurrada textual, como é apanágio de muitos JRPGs, mas colocados a responder a desafios iniciais simples. Não controlamos manualmente todos os ataques da nossa personagem, apenas os seus golpes especiais – Arts – que sofrem de períodos de recarga depois de serem utilizados. 

O combate é tão funcional e ao mesmo tempo prazeroso porque, apesar da quantidade de sabores, texturas e variedade de opções à nossa disposição, a base do sucesso é sempre a mesma. Existem golpes debilitantes capazes de danificar o balanço dos inimigos, podendo ser acoplados em combinações que são tão devastadoras a nível de dano como estratégico.

Xenoblade Chronicles 3 vai introduzindo-nos todos os elementos do combate lentamente, à medida que vamos ganhando intimidade com o Mundo, com a narrativa e sobretudo com as personagens que interpretamos. Porque, e é fulcral frisar isto, este é um trabalho com 24 anos de experiência às costas. Não existe um momento no jogo em que sintamos algum tipo de dissonância ludonarrativa. 

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É natural que não tenhamos o total leque de habilidades e capacidades à nossa disposição logo de início. A história das personagens sofre um duro revés de início que muda por completo toda a sua perspectiva em relação ao sistema e sociedade criada, tornando-os outcasts e Ouroboros: capazes de se fundirem em mechas, com poderes e habilidades acima do normal.

Esta habilidade é apenas desbloqueada umas boas horas à frente do jogo e só é explorada no seu máximo expoente mais de uma dezena de horas depois. Porque não serve apenas para apimentar o combate ou dar-lhe mais vida. Serve um propósito narrativo.

Unidos, somos melhores que Separados

A história de Xenoblade Chronicles 3 podia, de forma leviana, ser metida no saco do shounen anime comum – um grupo que se revolta contra forças maléficas, bem contra o mal. Mas é muito mais do que isso. A sociedade está subdividida em colónias de jovens que vivem apenas 10 anos, criados e treinados apenas e só para lutarem na guerra. Esta guerra é travada por duas nações, Agnus e Keves.

Naturalmente que a humanidade nestes jovens é praticamente inexistente e o momento em que são obrigados a cooperar com outros três jovens – Taion, Mio e Sera – da nação rival é recebido com muita resistência. Mas o processo de humanização destas personagens, até então meros joguetes de guerra, é iniciado e o verdadeiro enredo vai sendo revelado.

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Porque, como também é apanágio dos trabalhos da Monolith Soft, os temas em causa são surpreendentemente mais adultos e soturnos que o habitual. É a reflexão sobre a luta de classes, neste caso das classes oprimidas de Agnus e Keves, lideradas por cônsules que vivem numa espécie de local à parte, com luxos, fora do cenário de guerra e capazes de envelhecer, contrariamente às tropas que apenas têm 10 anos de vida e necessitam de matar para, literalmente, “carregar” os seus Flame Clocks, que lhes conferem a capacidade de viver. Com eles descarregados, simplesmente falecem.

É também um comentário muito pertinente sobre os verdadeiros interesses dos conflitos armados, quando confrontados entre aqueles que dão a vida por valores e missões muitas vezes falaciosos e os que os ordenam a ir para o terreno batalhar. E, sobretudo, uma visão e reflexão importante e sóbria sobre a nossa própria capacidade de apreciar e desfrutar da nossa humanidade.

Há um momento, a dada altura, em que Noah e Mio se apercebem dum facto da natureza que até então nunca lhes tinha passado pela mente: as espécies animais que habitam o seu mundo envelhecem naturalmente, ao contrário deles. Como as suas vidas foram ocupadas, desde a sua criação até à sua morte, pela propaganda criada pelos cônsules e pela disciplina dirigida apenas à guerra, nunca puderam observar o Mundo que os rodeia.

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Este elemento é-nos reforçado, também, na evolução das relações entre as personagens. Todas começam com um arquétipo, por vezes, forçado na sua execução e interpretação. A personagem mais estoica, a mais cerebral, a mais cuidadora. Estes arquétipos começam a esbater-se à medida que vamos avançando no mundo e explorando mais do jogo. O texto, embora possua níveis elevados de exposição, apanágio das narrativas nipónicas, conseguem ao mesmo tempo oferecer camadas subtis de evolução em cada uma.

Mas, e é nisto que Xenoblade Chronicles 3 brilha com maior intensidade, tudo acontece por motivos mecânicos. Não é apenas um desígnio textual para nos atirar para o próximo capítulo do jogo. Todas as decisões tomadas pelo jogador têm uma recompensa.

Em Xenoblade Chronicles 3 nada se perde, tudo compensa

Quando começamos o jogo, sendo ele de exploração aberta, temos a tentação de andar por todo o lado. Os inimigos são visíveis no mapa e, na primeira secção de todas, temos dois tipos de inimigos. No caminho em frente, delineado, inimigos dentro do nosso nível e, nas escarpas montanhosas com vários brilhos com tesouros e colecionáveis, inimigos com números demasiado acima. 

Esta é uma forma subtil e perfeita de nos ensinar a encarar o progresso mecânico em Xenoblade Chronicles 3: o mundo convida-nos a explorar, sempre que estivermos prontos para determinada secção. O fenomenal é que este sistema não é a pólvora: ao contrário da filosofia mais ocidental, repleta de 1001 ícones no mapa, é a filosofia do “pai” dos JRPGs. Dragon Quest também nos oferecia o mapa à nossa disposição, demonstrando mecanicamente que se nos aventurássemos para fora de caminho antes de estarmos preparados, seríamos rápida e sumariamente castigados por inimigos muito acima das nossas capacidades.

A lição é exatamente a mesma, reforçada num mundo em 3D. E ao invés de cair na armadilha de manter apenas dois caminhos, Xenoblade Chronicles 3 decide ir abrindo, lentamente, a liberdade do jogador para começar a explorar um pouco mais o mapa, com inimigos mais seguros, pequenos caminhos separados, com sidequests, itens para descobrir e bosses opcionais para nos desafiar.

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De cada vez que fazemos isto, ganhamos experiência por descobrir locais novos, itens, dinheiro e SP por encontrarmos tesouros, novas possibilidades de melhoria dos itens à disposição com materiais espalhados pelo mapa, possibilidade de nivelar as nossas classes combatendo com Elite Enemies, identificados por asas azuis quando são apenas versões mais fortes de mobs normais e asas vermelhas quando se tratam de bosses opcionais.

E à medida que a narrativa avança, as personagens ganham também consciência de classe: à humanidade levemente adquirida, vem também a vontade de ajudar a libertar os que estão ainda aprisionados sobre o jugo invisível dos cônsules e da guerra sem sentido. Muito do jogo será passado a resolver os problemas das inúmeras colónias com que nos vamos cruzando, conhecendo os seus elementos, aumentando as ligações de afinidade com cada uma. 

Podia ser apenas um elemento que prolongava sem necessidade a duração do jogo. Mas são 24 anos de experiência. Cada colónia oferece-nos mais experiência, pequenas sidequests que desenvolvem e desbloqueiam mais lados e histórias das nossas personagens e do seu passado, ajudam-nos a lutar com Heróis – as personagens especiais que desbloqueiam novas classes para o nosso grupo e que nos acompanham, apenas uma à vez, no combate e exploração.

Para além destas recompensas, também nos oferecem a capacidade de, tal como Pokémon, ganhar novos métodos de progressão no terreno. Vamos vendo várias barreiras físicas – cordas que não conseguimos utilizar, paredes que não conseguimos escalar – que são curiosas o suficiente para nos dar a entender que havemos de as conseguir utilizar. E se isto não fosse suficiente, somos também recompensados mecanicamente por melhorar as relações com as colónias: ficamos mais rápidos a caminhar no terreno, ganhamos maior probabilidade de adquirir itens raros, os buffs das refeições demoram mais tempo.

É também neste tipo de guloseimas que Xenoblade Chronicles 3 nos vai mantendo interessados não só em conhecer mais do mundo, das colónias, das ligações entre as várias personagens, mas também no progresso mecânico que cada uma nos oferece, desbloqueando mais áreas para investigar, para explorar, para continuar a evoluir, interligando novamente com a narrativa estabelecida: o futuro destes rebeldes e dos seus congéneres presos numa guerra sem protagonistas nem objetivo é trabalhar em conjunto, em parceria. E o jogo recompensa-nos sempre que investimos nesta parceria, o que nos cria ainda maior empatia com o que as personagens sentem a cada volta do enredo.

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O único revés deste sistema é que, se deixarem a história principal em banho maria, arriscam-se a ficar demasiado nivelados para as batalhas obrigatórias, o que pode retirar algum brilho do processo. No entanto, os inimigos no mapa tornam-se menos agressivos quanto maior for a diferença de níveis, pelo que poderão avançar o mapa sem serem importunados.

E este explorar, bem como o sistema de combate, também bebe de várias inspirações: se por um lado, o sistema de agressão e foco estratégico é uma progressão natural das bases criadas por Final Fantasy XII e no primeiro Xenoblade Chronicles, as artes e capacidade de combinação entre ambas vai beber à fonte de Tales of e da combinação de perks entre o Final Fantasy V e Bravely Default, permitindo-nos, ao combinar as mais de 20 classes que desbloqueamos ao longo do jogo, ter uma autêntica caixa de brinquedos para moldarmos as nossas personagens às necessidades estratégicas de cada embate.

Para além das classes, é apresentado posteriormente um sistema de craft para gemas que conferem aumentos de atributos, um sistema de nivelamento dos mechas em que nos transformamos, sidequests que nos permitem nivelar ainda mais as nossas classes, desbloqueando novas habilidades e skills… a lista é quase infindável, mas sempre prazerosa, porque nunca nos é dada de rojo, sem preparação. 

As slots para skills, acessórios e habilidades extra estão todas fechadas em balizas de níveis diferentes. Portanto, temos muitas horas para ganhar intimidade com as opções de combate disponíveis até o jogo nos deixar avançar para a próxima camada – novamente, como um bom menu de degustação.

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E, também aqui, todas elas se desbloqueiam através de momentos narrativos, ora porque passamos tempo e combates com os heróis de cada colónia, traduzindo a aprendizagem nas novas classes e habilidades, ora porque as conversas desenvolveram-se e este grupo criou amizades que lhes permitiu descobrir mais sobre cada um, como por exemplo a capacidade de criar as gemas, ou os buffs temporários da culinária.

Considerações Finais

Nada acontece em Xenoblade Chronicles 3 por acaso, o que é um autêntico milagre, se tivermos em conta que é um jogo gigante em proporção de espaço e tempo, bem como a forma como apresenta um desempenho gráfico acima de tudo o que temos visto na Nintendo Switch. Principalmente, porque dentro de toda a grandiosidade musical, orquestral e visual, estão pequenos momentos contemplativos, que nos tornam, uma e outra vez, cada vez mais próximos das personagens que controlamos e dos seus destinos.

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Retomando a minha afirmação inicial, justifico-a: a meu ver, Xenoblade Chronicles 3 consegue pegar em todos os momentos mecânicos que o tornam um JRPG, conferir-lhes recompensa imediata sem sistemas demasiado complexos de relações sociais, calendários, minijogos, com um texto e temas surpreendentemente adultos, customização e adaptabilidade táctica para os fãs de combates mais simples e para quem queira espremer todas as opções até ao ínfimo, num mundo absolutamente magnífico, belo, com temas que ficam durante semanas a ressoar na consciência. Não é, certamente, um JRPG tão disponível para fãs casuais como um Final Fantasy – o loop de jogabilidade é exploração – combate – nivelar – craft – exploração.

Porém, 24 anos de experiência. O suficiente para retirar todas as lições necessárias para sair da mesa dos bons JRPGs, como a série Persona, Tales of ou Pokémon, e ganhar um lugar no Monte Olimpo dos melhores títulos nipónicos, de forma absolutamente inequívoca, com Final Fantasy VI, Chrono Trigger ou Dragon Quest VIII. O maior erro e pecado deste título é, infelizmente, correr o risco de ficar tapado dos olhos de potenciais novos fãs, num ano em que também existem Horizon Forbidden West, God of War Ragnarok e Elden Ring.

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Espero ter-vos conseguido convencer, tal como a Monolith Soft me fez, que não vão encontrar nem em 2022, nem em nenhum título deste género dos últimos anos, um mundo tão rico, tão prazeroso e tão respeitador da vossa experiência como este. No mínimo, o melhor jogo de 2022.

+ Mundo altamente detalhado

+ Narrativa adulta e bem interligada mecanicamente 

+ Loop de jogabilidade rico

 

– Entrada difícil para fãs casuais

N.R.: A análise a Xenoblade Chronicles 3 foi realizada numa Nintendo Switch com acesso a uma cópia do jogo cedida pela Nintendo Portugal

Carlos Duarte: Adulto de 30 e poucos anos que guarda, dentro de si, o garoto que se apaixonou por videojogos e por um ouriço azul. Escriba profissional de assuntos diversos, jogador dedicado da 1ª à 9º geração de videojogos.
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