Like a Dragon: Ishin!

Análise – Like a Dragon: Ishin

Como bom filho dos anos oitenta, e com a diversificação de diversão variando entre brincadeiras com areia e olhos plasmados em apenas dois canais de televisão, as telenovelas de origem brasileira moldaram as vidas dos portugueses nessa década e noutras antes e depois, onde o momento quase religioso de se sentarem famílias inteiras de volta da pequena caixa mágica rindo e chorando das aventuras e desventuras daqueles personagens, quase sempre com o ridículo como base. Sim, certo, esta é uma análise a Like a Dragon: Ishin, o remake da obra agora lançada no Ocidente pelo Ryu Ga Gotoku Studio, mas para mim este é o mais similar paralelismo que se pode traçar entre esses tempos perdidos de sotaque brasileiro nas salas das nossas casas cheias de naperons em mesas redondas e crucifixos nos quartos e a saga Yakuza (perdão, Like a Dragon).

Não acreditam? Eu também não. Mas vou tentar convencer-te. E convencer-me.

Onde é que eu já te vi antes?

Na melhor tradição telenovelista do outro lado do Atlântico, mudam os ambientes e os papéis mas os atores que os representam são os mesmos. Like a Dragon: Ishin volta atrás no tempo até meio do século XIX a um tumultuoso tempo na história do Japão. Baseados em figuras reais, boa parte das personagens são fielmente decalcadas de outras obras Like a Dragon. O herói certinho com cara de mau Kazuma Kyriu é aqui Sakamoto Ryoma, por exemplo. O que os diferencia? Praticamente só as vestes. A voz, a postura, tudo ressoa a outros jogos. O mesmo acontece com alguns vilões e outras caras conhecidas, o que nos dá aquele sentimento de familiaridade que nos conforta.

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O mesmo acontece com a narrativa. Perpetuando o envolvimento e compromisso do RGG Studio com tramas elaboradas e por vezes exageradamente prolongadas com diálogos hilariantes de tão estranhos e fora da caixa, esta obra não é exceção e enquadra uma premissa que se apresenta intricada, cheia de personalidades complexas e dinâmicas. Aguardem então pelas típicas mudanças repentinas de enredo, com amigos que se tornam adversários e com sangue jorrado por personagens a quem nos afeiçoamos. Muito sangue mesmo. Que aparecem imediatamente depois da luta imaculados. Um clássico destes jogos.

Honra de espada e pistola na mão

Aqui não há murros falsos e sons exagerados como nos produtos da Globo. O combate é parte central da obra e o combate um-para-um (ou um-para-doze) é onde a diversão costuma reinar. Tudo isso se mantém inalterado. Agora juntem-lhe katanas e pistolas carregadinhas. Em conjunto!

São quatro os modos de luta que podemos encontrar, com os seus interesses e desafios. Três são bastantes básicos, centrando-se no combate com os punhos, espada e arma individualmente. O quarto é que rouba o protagonismo. Denominado de “Wild Dancer”, mistura balas e aço afiado numa simbiose estranha que se entranha nas mecânicas obtusas que proporciona. Dei por mim a usar este modo em setenta por cento das horas passadas na novela do sol nascente, incluindo cada vez mais novas técnicas e movimentos ao meu arsenal.

Como se toda esta loucura não fosse suficiente, foram adicionadas as “Trooper Cards”, que são habilidades especiais que podem ser usadas depois de carregadas atribuindo porrada de meia noite nos adversários. Umas são mais básicas, permitindo, por exemplo, melhorar momentaneamente o nosso dano, mas outras são, digamos, especiais, pois permitem-nos realizar ataques com tigres ou até soltar bolas de fogo das mãos. Numa outra saga isto pareceria totalmente ridículo, mas em Like a Dragon: Ishin encaixa que nem uma luva, pois tudo é tão exagerado e estranho no bom sentido que este é apenas mais um pormenor nesta ode ao quão bom é ter liberdade para criar.

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E assim é natural que por vezes se falhe redondamente a querer ser exagerado em tudo. E isto é o que acontece com as missões secundárias, que estão desde sempre ligadas intrinsecamente à saga. Com toda a emoção e drama ligados à estória principal que nos é contada, com um lado histórico e real que entusiasma os fãs da cultura nipónica, estas missões opcionais tornam-se tontinhas e repetitivas, sem qualquer apelo. Confesso que embrenhar-me nestas estórias estranhas é o maior interesse que tenho por estes jogos, entregando horas e horas em missões ridículas, mas que me motivam pela diferença da seriedade do argumento principal. Mas desta vez em Like a Dragon: Ishin deixam muito a desejar, restrigindo-se a criar laços com estes figurantes através da compra de alguns objetos em fetch quests chatas ad nauseum. E a recompensa obtida não é de todo suficiente para justificar o investimento. É como nas novelas: fugindo da trama do galã e da miúda gira, gravitam enredos diferentes, mas nós só queremos é ver o beijo das estrelas da companhia.


Adeus Komurocho, olá Japão feudal!

O mundo dos kimonos e sapatilhas de madeira retrata fielmente um Japão que ainda é recordado pela obra de Kurosawa: os banhos quentes, os combates periclitantes, a beleza artística do mundo criado com os seus recantos com vida. Mas confesso que me fartei rapidamente de o serpentear em busca de mais um laço para criar. Nos jogos mais atuais da saga, a cidade de Kamurocho parece realmente cheia de vida, com uma naturalidade que impressiona, mas aqui o aborrecimento rapidamente se instala. Valha-nos o fast travel, que me poupou a imensas corridas em modo automático e a dezenas de combates inconsequentes. Não esperava que isso acontecesse, pois é um período da história mundial que me interessa imenso, mas talvez me façam falta os e a música frenética de Kamurocho. Citadino virtual me assumo.

Considerações finais

Like a Dragon: Ishin talvez seja a porta de entrada mais acessível ao mundo da saga Like a Dragon, e até podem começar pela demo. Com todos os seus pormenores de vida japonesa, momentos de trama intrincados e um sistema de combate que continua a ser aquilo que lhe dá vida, este é claramente o mais sério deles todos. A mudança para o período feudal vai puxar os fãs da série, pois a fórmula mantém-se e apenas se adapta à história que conta com grande exatidão. Este remake mostra que a saga está de boa saúde e que trazê-la para o Ocidente foi uma boa decisão, apesar de não ter claramente o mesmo vigor e nível de loucura que os outros possuem.

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E agora, como a novelinha brasileira, é esperar pelos próximos capítulos, que eu vou estar à espera.

nota 4

Like a Dragon: Ishin é mais do mesmo, mas diferente: divertido, estranho e cheio de drama. Mesmo como eu gosto dos meus samurais.


+ Estória com história
+ O sistema de combate
+ As Trooper Cards

– Cidade com pouca vida
– Side quests chatas e inconsequentes
– Bugs e frame drops ocasionais

N.R.: A análise a Like a Dragon: Ishin foi realizada numa PS5 com uma cópia do jogo, gentilmente cedida pela playandgame.pt.