Lost words: beyond the page

Lost Words: Beyond the Page – Análise

De tempos a tempos, nas raras ocasiões em que tenho tempo livre para preencher, dou por mim a explorar o Xbox Game Pass à procura de tesouros escondidos. Foi numa dessas aventuras que descobri a magnífica pérola que é Lost Words: Beyond the Page, um platformer narrativo com componente de puzzles desenvolvido pela Sketchbook Games e escrito por Rhianna Pratchett.

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Assim que vi a descrição do jogo – que foca o uso de palavras para resolver puzzles – soube que o ia jogar, mas foi o trailer que me fez decidir experimentá-lo imediatamente. A música que cresce e ondula, abraçando a narrativa, a arte estilo aguarela que nos dá as boas vindas assim que começa o vídeo, até a voz perfeitamente escolhida para representar a protagonista. Percebi que vinha aí uma experiência indie marcante.

Assim que o download terminou, mergulhei de cabeça na narrativa sem saber absolutamente nada sobre o jogo (excepto o que tinha visto no trailer), e rapidamente dei por mim a atrasar as restantes tarefas do dia para avançar o mais possível na história. E é exactamente assim que recomendo jogar este título incrível; por isso, se tiverem curiosidade, façam uma pausa na leitura e regressem depois das 4 ou 5 horas de jogo – vêm aí ligeiros spoilers.

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Izzy

Isabelle, ou Izzy para os amigos, é uma pequena aspirante a escritora que começa a utilizar um diário para escrever sobre o seu dia, sob recomendação da avó, de quem é extremamente próxima. É através desse diário que vamos literalmente atravessar os pensamentos de Izzy, e percorrer os seus sonhos, receios e memórias mais profundas.

Nesse diário conseguimos ainda interagir com as palavras que Izzy escreve, utilizando-as para desbloquear o caminho e construir o percurso que nos permite avançar na história.

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A mecânica é extremamente simples e não existe qualquer consequência por falhar o caminho entre as palavras, regressando a boneca de longos cabelos que nos representa imediatamente ao ecrã após um salto mal calculado.

É precisamente ao saltar em cima de algumas palavras e ao puxar outras com o cursor, representado no ecrã por uma pequena esfera de luz azul, que vamos revelando a história de Izzy.

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Mais que uma Estoria

Não é apenas a história de Izzy que seguimos no jogo. Na verdade, jogamos duas narrativas paralelas: por um lado o diário de Izzy e, por outro, a história que a jovem escritora começa a desenvolver. 

Aqui, ajudamos Izzy a escolher o nome e algumas características da protagonista – no meu gameplay, chamada Robyn – uma pequena aventureira do reino de Estoria, um lugar mágico protegido por um grupo de pirilampos sagrados.  A guardiã desses pirilampos, Elder Ava, passa a tocha à jovem Robyn logo no início da história, e ensina-a sobre o poder das palavras (word magic), agora ao seu alcance.

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Através deste poder, Robyn consegue manipular o mundo à sua volta, e proteger tanto os pirilampos como a aldeia onde vive. É este poder que define a segunda mecânica de jogo, semelhante ao que acontecia no diário, na qual o jogador tem que resolver pequenos puzzles contextuais, alterando e interagindo com o mundo em redor conforme é necessário.

À medida que Izzy vai desenvolvendo a história, e conforme vai, em paralelo, preenchendo o diário, rapidamente são claras as semelhanças entre a jornada das duas jovens protagonistas. 

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Avó Barbara 

A avó de Izzy é idolatrada pela neta. Para além de encorajar a escrita de Izzy e ser uma fonte de abrigo emocional e conselhos sábios, o seu passado em biologia marinha permite-lhe levar Izzy numa série de aventuras educativas que ficam guardadas na memória – e diário – da neta. Não é, assim, inesperado, quando percebemos que o conflito narrativo surge quando a avó Barbara é levada para o hospital após um derrame. 

Em paralelo, surge também um desastre no reino de Estoria, quando um dragão ataca a aldeia e rouba os pirilampos sagrados. Robyn não hesita e, enquanto guardiã, promete salvar a aldeia e recuperar todos os pirilampos. 

Da mesma forma, Izzy está a tentar controlar, dentro do possível, o seu universo. Com a avó no hospital, irreconhecível, toda a visão de mundo da pequena escritora começa a deteriorar-se. Foca, então, todas as emoções confusas no universo de Estoria.

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A história de Robyn, a partir daqui, segue a mesma linha que as emoções de Izzy. À medida que Izzy passa pelas diferentes fases do luto, também Robyn encontra diferentes obstáculos, fruto do dilema emocional de Izzy.

Enquanto a nossa pequena protagonista se debate com as próprias emoções, Robyn atravessa desertos, terras vulcânicas e paisagens de fantasia, na procura pelos pirilampos e na perseguição do dragão que destruiu a aldeia. Incapaz de aceitar a realidade, Izzy atira à imaginária aventureira todos os problemas e obstáculos que não consegue resolver, acabando por processar o que está a sentir enquanto o faz.

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A aventura da vida

Para mim, a métrica-chave de uma narrativa imersiva é a capacidade que tem de fazer a minha mente ansiosa e pessimista suspender totalmente a realidade, e criar uma relação de carinho imediata com as personagens. E foi exactamente isso que aconteceu em Lost Words: Beyond the Page.

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Sem querer, dei por mim a seguir passo a passo a mesma viagem emocional de Izzy e Robyn. Foquei-me em recuperar os pirilampos (collectibles) e em utilizar a word magic para ajudar Robyn a ultrapassar os obstáculos, certa na confiança de que, se jogasse bem e resolvesse os puzzles atempadamente, conseguiria salvar a aldeia. Sempre que o jogo me deu essa possibilidade, não deixei Izzy perder a esperança, olhei sempre pelo lado positivo e foquei-me naquilo que podia controlar – o “meu” diário.

E foi assim que dei por mim, a sofrer lado a lado com Izzy, quando finalmente o inevitável acontece.

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Apesar de saber, com olhar de adulta, qual seria o outcome mais provável para a história de avó Barbara e, por conseguinte, Elder Ava, a viagem de Robyn e a inocência infindável de Izzy agarram a esperança e determinação até o último momento, em que nos apercebemos que a vinda do dragão – o ciclo da vida – é inevitável. Para quem já perdeu alguém próximo, esta esperança agridoce é dolorosamente familiar, e algo impossível de evitar. A aceitação da realidade cai finalmente como um bálsamo que não cura, mas alivia.

Ao mesmo tempo, percebemos que com a destruição vem também nova vida – novas aventuras e possibilidades, novas ligações. Izzy cresce, e Robyn constrói um novo mundo, enquanto ambas recuperam do trauma que passaram.

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Através de uma mecânica extremamente simples, Lost Words: Beyond the Page consegue fazer-nos atravessar as diferentes fases do luto, não apenas no ecrã mas dentro das nossas próprias emoções. É muito mais que um jogo casual com uma narrativa, arte e música bonitas, é uma aventura inesquecível pelas nossas próprias experiências, emoções e, na verdade, por tudo o que nos torna tão frágeis e humanos.

The end?

Lost words: beyond the page é, se me permitem a opinião, um dos melhores jogos narrativos deste ano, e uma viagem inesquecível pelo universo das emoções humanas e relações que construímos uns com os outros. Não será a melhor escolha para jogadores que estejam à procura de um jogo de puzzles desafiante ou de mecânicas complexas, mas para quem gosta de jogos curtos com histórias profundas, é uma escolha óbvia.

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Lost words: beyond the page está disponível para PC, Xbox, Playstation e Switch e está neste momento acessível através do Xbox Game Pass.


+ Narrativa belíssima e profunda
+ Arte imersiva e perfeitamente adequada à história
+ A música oferece uma componente quase mágica à narrativa

– Puzzles pouco desafiantes
– Personagens secundárias não são muito desenvolvida
– A história poderia ter ido mais além sem sacrificar a duração do jogo