NieR Replicant ver.1.22474487139 – Análise

Desespero. Por norma, se associarmos este adjetivo a uma obra, um acontecimento, um momento das nossas vidas, a nossa reação é afastarmo-nos do mesmo. NieR Replicant ver.1.22474487139 e a forma como está construído serve um propósito maior: fazer-nos sentir desespero. E é por isso que este remaster do clássico NieR, de 2010, é absolutamente obrigatório.

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No Fim do Mundo, o Início.

O jogo lança-nos, imediatamente, para a confusão: interpretamos um jovem (a quem podemos dar nome), que defende a sua irmã mais nova de uma horda de seres, que mais tarde percebemos chamarem-se Shades. Ao nosso lado está um livro, aparentemente mágico, capaz de nos conferir habilidades especiais para podermos enfrentar o combate. Deste momento inicial de combate, somos arremessados um milénio para a frente e, com personagens extremamente idênticas, o desafio torna-se claro: salvar a nossa irmã, Yonah, da Black Scrawl, uma praga que invade os corpos e transforma humanos em Shades.

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NieR Replicant, apesar de ser um JRPG, não é por turnos. Caso este seja o vosso primeiro NieR, saibam que a única constante que vão ter é a constante alteração da vossa perspetiva. Isto quer dizer que, numa secção, estão a lutar contra inimigos numa perspetiva de cima para baixo, quase como um twin stick shooter, mas noutra estão num elemento de text-based RPG. São vários os géneros que se moldam à vossa personagem, ao longo de cada dungeon que exploram. Quando acharem que estão confortáveis com a câmara ou com o jogo… regressa o desespero de (re)adaptar os nossos reflexos e perspetivas.

Combater para Sobreviver (?)

Este desespero é balanceado com uma miríade de soluções à nossa disposição. Desbloqueamos vários feitiços que nos permitem adaptar a cada tipo de jogabilidade. Desde escudos, a lanças poderosas, mas consumidoras do nosso MP, rajadas de projéteis mágicos, ou camas de espinhos para trespassar os vários inimigos. Para além disto, ao longo do jogo é-nos disponibilizado três tipos de armas, entre as espadas de uma mão, leves, com vários golpes mas fracas, as espadas de duas mãos, poderosas mas muito lentas, e as lanças, um bom compromisso entre as duas soluções.

Conseguimos, ainda, através de palavras mágicas que obtemos ao derrotar Shades, personalizar tanto os nossos feitiços como as nossas armas e até os nossos movimentos. Seja para aumentar o número de itens que ganhamos, a experiência ganha, o poder físico e mágico – temos liberdade para desenvolver várias builds que nos possam ajudar, consoante o objetivo atual. Acrescentando, por fim, a possibilidade de fazermos upgrade a todas as armas, era expectável que, após lerem isto, pensassem que NieR Replicant nos leva a querer combater.

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A resposta, no entanto, é mais complexa. Porque NieR Replicant é uma das raras experiências que, de forma absolutamente estoica, utiliza todas as suas ferramentas de design para nos comunicar um tema. Desespero. Num dos primeiros objetivos do jogo, precisamos de caçar ovelhas. Um dos aldeões precisa de carne e cabe-nos a nós a ingrata tarefa. Na maior parte dos videojogos, este momento é feito sem grande reflexão – são pedaços de píxeis que largam um material, repete-se até à exaustão, guarda-se a mais para poder vender.

Tudo tem um preço.

A diferença, em NieR Replicant, é que as nossas ações têm peso. Assim que encontramos uma ovelha e a trespassamos com a nossa espada, vemos um jato de sangue, o comando encontra resistência e a ovelha… geme. É desta forma simples, mas direta, que sentimos na pele a ovelha. Deixa de ser apenas um elemento básico de um tutorial, para ser o matar de um animal inocente, de um ser vivo. Este elemento é-nos comunicado também de cada vez que tentamos recolher o material, com uma poça de sangue adicional a jorrar à volta do seu corpo.

Desespero. A partir daqui, cada embate com um ser vivo adquire um peso diferente. Principalmente porque a história de NieR Replicant não nos é contada de forma linear, sendo preciso terminá-lo 5 vezes para ver tudo o que o jogo tem para nos oferecer. Esta tarefa torna-se desesperante porque nos obriga, não só, a repetir o jogo quatro vezes – três das quais, através de um determinado momento da narrativa – como ainda nos obriga a cumprir determinados requisitos que levam muito tempo, paciência e nos colocam a resolver tarefas repetitivas. Este desespero transpira também na forma como o Mundo e as side-quests estão formuladas.

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A maior parte das tarefas secundárias são profundamente monótonas e obrigam-nos a repetir, muitas vezes sem direção, os caminhos que já percorremos. Existem várias dungeons e aldeias a explorar neste mundo pós-apocalíptico, mas todas a pé. Não há fast travel, não há muitos veículos, não há grandes atalhos. É desesperante. Mas faz parte da experiência. As zonas que exploramos representam, justamente, essa aspereza no que nos rodeia. Não estamos num mundo que precisa de ser salvo: estamos no ponto sem retorno, a ver o que resta da sociedade definhar, seja por perecerem pelas Shades, seja porque o ambiente à volta se tornou demasiado inóspito.

Este desespero foge, curiosamente, à visão das personagens que compõem o nosso elenco: nós, Kainé, uma mulher tão mortífera no combate como nos palavrões, Grimoire Weiss, o livro mágico e erudito que nos confere poderes e Emil, o rapaz capaz de petrificar pessoas com o olhar. A esperança permeia cada ação, cada movimento destas personagens, em momentos diferentes, servindo como último bastião contra um universo que parece estar já pré-determinado. Cada um esconde um passado horrífico, traumatizante, que os deveria ter levado ao abismo da loucura. Porém, a esperança continua a permear as suas ações e motivações.

Repetir ou não repetir?

NieR Replicant começa, verdadeiramente, a partir da segunda vez que o jogarem. Porque à partida, é só repetir o jogo para chegar ao final e ver o que mudou. Porém, há um momento muito específico que vos traz contexto adicional sobre tudo o que ocorre. É esse elemento de contexto extra que vos faz, imediatamente, repensar tudo o que fizeram. E de forma mais brilhante, chegar-vos à conclusão desesperante: vão ter que o fazer de novo. E de novo. E de novo. O jogo não quer que matem só por matar.

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É raro ver um compromisso tão grande, tão absoluto com a mensagem que se quer passar. Mas NieR Replicant ver.1.22474487139 sacrifica uma jogabilidade mais fluida, uma travessia mais equilibrada e uma história mais clássica pela visão que nos quer transmitir. Alturas existirão em que ficarão absolutamente cansados. Eu argumento que é de propósito: apesar de ser um videojogo, o ato de matar seres não pode ser irrefletido. Ganhar dinheiro ou poder não pode ser só um momento de poucos segundos. O exemplo máximo deste compromisso com o tom ocorre mais perto do fim do vosso tempo com o jogo. Para vermos tudo, somos obrigados a cometer o derradeiro sacrifício que um jogador pode fazer, numa decisão que tem tanto de brilhante e irreverente, como de ousada e até desrespeitadora do nosso tempo e investimento. De propósito: não é só para ser chocante. É porque serve a narrativa e torna-a mais direta, mais robusta.

Considerações Finais

A música e os gráficos compõem este bouquet. Minimalistas, escuros, mas inegavelmente belos. A banda-sonora composta por Keiichi Okabe leva-nos numa viagem por tons graves, vozes angelicais e guturais, repleta de secções de cordas emocionantes. Todos os temas, mesmo os mais alegres e leves, contêm um leit motif comum, que nos relembra do desespero que se esconde em cada canto do mundo de Nier Replicant. Combinados com os gráficos melhorados neste remaster, mas novamente despidos, vazios de vida e de componentes, pintam esta aguarela tenebrosa que nos comunica um simples elemento: desespero.

NieR Replicant está longe de ser um jogo perfeito. É lento, o design de Kainé deixa muito a desejar, apesar da sua personalidade bem estruturada, as sidequests são monótonas e a repetição pode causar cansaço com o jogo. Mas é brilhante, pela forma como nos obriga a sentir, de forma muito profunda, o que por norma tomamos por garantido. Principalmente porque não opta por uma escapatória fácil, como uma viagem no tempo para resolvermos o que ocorre agora que temos nova perspectiva. É um formato narrativo apenas possível nos videojogos, que nos leva a ter uma visão mais aberta e a questionar: é isto um jogo de heróis e vilões? Há bem contra o mal?

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A dada altura, uma das personagens diz-nos, antes de entrarmos em combate: Vocês têm os vossos desejos e as vossas vontades. E nós temos as nossas. Infelizmente, é assim tão simples. Às vezes, o que nos separa do conflito é, apenas, a divergência de opinião. NieR Replicant ensina-nos que, do outro lado, pode não estar um inimigo, um monstro, um ser sem escrúpulos. Pode estar apenas alguém como nós, com desejos, vontades e sonhos, opondo-nos apenas por coincidência e causalidade dos acontecimentos.

Nem todos os jogadores quererão passar por estes sacrifícios para retirar estes ensinamentos. E é justo: NieR Replicant ver.1.22474487139 não é para todos os tipos de jogadores. Porém, convido-vos a arriscarem. É uma obra-de-arte que merece a vossa intimidade e, parecendo que não, o vosso tempo.

+ Compromisso raro com a narrativa

+ Combate altamente fluido e interessante

+ Personagens memoráveis

– Design de personagens questionável

– Decisões narrativas controversas

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N.R.: A análise a NieR Replicant ver.1.22474487139 foi realizado numa Xbox Series X com acesso a uma cópia do jogo, gentilmente disponibilizada pela Play & Game

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Carlos Duarte: Adulto de 30 e poucos anos que guarda, dentro de si, o garoto que se apaixonou por videojogos e por um ouriço azul. Escriba profissional de assuntos diversos, jogador dedicado da 1ª à 9º geração de videojogos.
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