Psychonauts 2

Psychonauts 2- Análise

As inovações tecnológicas, o progresso científico e as novas terapias seguem a todo o vapor à medida que os anos passam e ainda assim, a mente humana permanece um dos maiores mistérios. Despoleta, entre uma legião incontável de peritos de diversas áreas, uma busca incessante pela compreensão desta nossa extraordinária tecnologia orgânica que nos governa a vida. É claro que um tema tão fascinante não é alheio a interpretações artísticas e é aqui que entra o trabalho inspirado de Tim Schafer e da Double Fine Productions.

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Como é apanágio de diversas obras invulgares, a prestação comercial de Psychonauts não foi famosa e é por isso que a existência de Psychonauts 2 é quase fruto de intervenção divina, uma realidade tornada possível devido à paixão e apoio que os fãs expressaram através da campanha de kickstarter. Após quinze anos de espera, Psychonauts 2 está prestes a ver a luz do dia e a levar-nos de volta a uma admirável odisseia pelos cérebros e suas diferentes construções e assimilações das realidades subjectivas.

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Uma viagem mental para todos

Embora esta sequela tenha um olho na base de fãs que praticamente veneram o original, o outro convida um novo público a conhecer este universo. Psychonauts 2 começa por apresentar, sempre com o humor que lhe caracteriza, um resumo dos acontecimentos do primeiro título e de Psychonauts in the Rhombus of Ruin, estabelecendo assim uma base sólida para a compreensão da história que se segue. Voltamos a assumir o papel de Razputin Aquato, Raz para os amigos, o jovem que conseguiu uma vaga de estagiário no centro de operações dos Psychonauts, uma organização internacional de espiões dotados de incríveis capacidades psíquicas. Nesta atmosfera de espiões, agentes duplos, informação e contra-informação, o ponto de partida passa por descobrir a identidade do cabecilha responsável pelo rapto do líder da organização e ir, literalmente, ao âmago de questões que afligem alguns dos maiores heróis deste mundo peculiar.

Empatia pelos distúrbios da mente

A escrita, mais uma vez a cargo do talentoso Tim Schafer, brilha na forma como nos apresenta um enredo cativante e críptico que nos faz ansiar pela próxima pista, e em simultâneo, coloca-nos um sorriso na cara pela bizarria e excentricidade que as personagens emanam. O sentido de humor, apesar de menos cru e não utilizando tanto o humor negro como no original, arranca-nos gargalhadas genuínas. De certa forma, as personagens são conscientes do seu próprio mundo caricato. O seu traço é definido pelas proporções assimétricas e um exemplo disso é a constante troça que a enorme cabeça de Raz recebe múltiplas vezes.

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As piadas e os trocadilhos são uma constante mas Psychonauts 2 também sabe ser sério e clarividente na apresentação de temas mais sensíveis, notando-se o cuidado que houve na representação artística de problemas como o vício, transtorno dissociativo de identidade e ansiedade, apenas para referir algumas lutas que milhões de nós enfrentamos. É mais um passo em frente na representação de um tipo de tema que ainda gera preconceito e incompreensão.

Psychonauts 2

Os saltos aliam-se às peripécias psíquicas

Psychonauts 2 contribui de sobremaneira na revigoração que o género de plataformas a três dimensões atravessa. Não sendo um título de mundo aberto, existe um hub relativamente vasto que incentiva a exploração. Um dos principais acessos é a Motherlobe, o quartel general da organização secreta. Aqui podem interagir com as personagens, incluindo os figurantes. Seja a escutar conversas alheias ou a tentar descobrir mais sobre as suas vidas, motivações, problemas e piadolas, o mundo sente-se composto por personalidades autênticas e interessantes. Se decidirem sair da Motherlobe, têm um mundo repleto de intriga  pronto a ser explorado, seja um parque temático abandonado ou uma floresta sinistra.

Um psíquico que se preze, só conseguirá triunfar se dominar os seus poderes. Do original regressam as labaredas do Pyrokinesis, a levitação que permite a Raz deslocar-se de forma veloz e planar, bem como telekinesis, habilidade que nos permite pegar em objetos e arremessá-los. Novas habilidades foram introduzidas e de modo a não estragar potenciais surpresas, apenas irei referir aquela que já foi introduzida: o conector de mentes. Este poder permite-nos ligar ideias e influenciar assim a rede neurológica, podendo alterar irremediavelmente a personalidade da sua “vítima”. É mais uma cartada de génio que nos envolve no íntimo da mente humana.

Somos os psicólogos que vão, literalmente, ao cerne da questão

E é na complexidade da mente humana que os níveis se assumem como o grande chamariz de Psychonauts 2. A criatividade expressa-se de diferentes formas, consoante as profissões, traumas e sonhos de cada personagem. Um dentista louco terá uma construção mental composta por dentes e gengivas que tomam controlo da paisagem como pragas que se multiplicam. Alguém absorto nos jogos de casino será dominado pelas slot machines e pela ganância, impossível de sacudir. É impressionante a imaginação com que todas as mentes foram concebidas, repletas de metáforas e referências  inteligentes e sobretudo, relacionáveis de uma maneira ou outra. Os colecionáveis presentes, como as bagagens emocionais, os fragmentos e os cofres, funcionam mais como peças que compõem a essência do individuo do que meras coisas a encontrar só porque sim. As representações visuais variam entre o melancólico, o atmosférico, o psicadélico, o repugnante, o êxtase, o medo e o amor.

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Os monstros que nos atacam representam muitas destas emoções. Os censuradores veem-nos como intrusos a ser expulsos. Os insectos são inseparáveis dos pesos que carregam, uma vez que estes representam arrependimento. Dentro da psique humana, os ângulos da câmara e a gravidade são manipulados de forma a impactar o jogador e toda a linguagem simbólica flui pelos inimigos, plataformas, obstáculos e música. Através de mecânicas sólidas, saltamos, deslizamos e combatemos por autênticas formas de arte, umas vezes disformes, outras vezes inspiradas. A banda sonora que nos acompanha sabe sempre que notas tocar. Numa atmosfera de mistério e sigilo, diferentes instrumentos se cruzam criando sonoridades suaves e requintadas. Numa luta aparentemente desigual, os sons agressivos vindos de uma guitarra elétrica aceleram a pressão arterial. Os responsáveis pelas sonoridades são poliglotas sublimes na linguagem dos sons.

Como um músculo, o cérebro precisa de treino

Existem inimigos e fases de plataformas que se podem tornar desafiantes e por isso é apresentado um sistema de progressão. Quantos mais colecionáveis encontrarem, mais provável se torna a vossa subida de rank. Ao subirem de nível, ganham créditos e podem utilizá-los para melhorar os poderes. Desde labaredas mais potentes a uma recuperação de energia mental mais imediata, as opções são imensas e farão a diferença nas batalhas mais trabalhosas, como os bosses.

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Caso cheguem ao nível máximo de rank, ficam com acesso a novas áreas para exploração. As opções de personalização também não foram deixadas de lado. Podem comprar pins, através da moeda existente em Psychonauts 2, psitanium. Muitos dos pins exercem funções estéticas e de entretenimento, como a mudança de cor da bola de levitação ou fazer festas aos animais. Outras afectam a jogabilidade, como uma maior economia de energia na utilização de certos poderes.

Considerações Finais

O único aspecto que não nos deixou boquiabertos pela positiva foram os momentos em que tivemos que ficar à espera, ansiosos por continuar a fantástica aventura. Isto porque os ecrãs de carregamento são mais frequentes e demorados que o desejado. Alguns soluços a nível de performance e texturas tardias apareceram de forma ocasional mas a verdade é que se tornam problemas praticamente irrelevantes tendo em conta a qualidade que o pessoal da Double Fine conseguiu atingir.

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Psychonauts 2 transcende o rótulo de mero produto de entretenimento, é uma obra prima em formato interactivo. Se a história inspirada em temas de conluio e espionagem nos agarra a atenção, as personagens e a temática psicológica inspira-nos. As reviravoltas, os níveis expressos numa explosão de criatividade artística e de design, a inteligência dos diálogos, a variedade de poderes e a banda sonora fantástica pintam Psychonauts 2 como uma das melhores experiências do ano, provocadora e ousada. É também um belo contributo na desconstrução de estigmas referentes à saúde mental, tratando o tema com o respeito e empatia merecidos.


+ História e personagens crípticas e de grande qualidade
+ O design dos níveis é brilhante
+ Mundos mentais cheios de criatividade
+ Estilos visuais distintos e vibrantes
+ Banda sonora variada
+ Diálogos hilariantes

– Loadings longos e frequentes na Xbox One X
– Soluços de framerate e carregamento tardio de certas texturas

N.R.: A análise a Psychonauts 2 foi realizada numa Xbox One X, com acesso a uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Microsoft Portugal