Monero

Monero, a criptomoeda do bem e do mal

É uma presença assídua no top 20 das criptomoedas e tokens mais valiosos do mercado, mas raramente vemos o Monero com um valor de mercado que lhe permita disputar os lugares cimeiros. Isto acontece porque o Monero é uma moeda digital com características tão específicas que a sua vida acaba por ser uma montanha-russa de picos positivos e negativos.

Esta semana voltou a acontecer. Aquele que foi provavelmente um dos maiores ataques informáticos relacionado com criptomoedas até à data esteve associado ao Monero. Por outro lado, o Monero também está a ser usado como uma alternativa séria para a monetização de negócios digitais, um caminho que foi escolhido pela publicação Salon.

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Mas antes de explicarmos estes casos com maior detalhe, vamos primeiro explicar o que é o Monero, como funciona e quais são as suas características enquanto criptomoeda.

O que é o Monero (XMR)

Quando pesquisar por esta criptomoeda, o mais provável é encontrar estes três conceitos: segura, privada e não rastreável. Há mesmo quem chame o Monero de ‘dinheiro eletrónico privado’, dadas as suas características focadas na privacidade do utilizador.

Em termos de conceito o Monero não é muito diferente do Bitcoin. É uma criptomoeda assente numa rede de blockchain descentralizada e que tem como objetivo ser um substituto digital do dinheiro fiduciário. Apesar de todos reconhecerem conceitos inovadores à tecnologia do Bitcoin, também lhe são reconhecidas falhas e conceitos por explorar, o que ajuda a justificar em parte o porquê de existirem tantas criptomoedas.

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A rede de blockchain do Bitcoin é transparente, pública e pode ser auditável, ou seja, é possível aceder à base de dados e ver que o endereço X enviou uma determinada quantia de bitcoins para o endereço Y. Diz-se que o Bitcoin é privado, pois não conseguimos saber quem está por trás de cada endereço, mas os criadores do Monero têm um conceito diferente de privacidade.

Cada transação do Monero, por defeito, ofusca os endereços de envio e de receção, assim como a quantidade de dinheiro transacionada. Uma nota de atenção para o termo “por defeito”, pois caso o utilizador queira pode partilhar a sua chave pública para que as suas transações possam ser verificadas por outra pessoa. Pense no Monero como uma publicação numa rede social: pode ser feita de forma totalmente privada e ninguém vai saber ou pode ser feita de forma pública apenas para quem o utilizador quer que veja.

Estes níveis de privacidade são conseguidos através de ring signatures, um mecanismo que mistura as chaves de um determinado utilizador com outras chaves públicas obtidas através da rede de blockchain. Ou seja, cada transação pode ser associada a diferentes endereços, o que ajuda a mascarar o seu verdadeiro autor. Junte-se a isto os endereços furtivos, que são gerados de forma aleatória e têm como validade uma única utilização, e mais privado do que isto é difícil de conseguir.

Isto acaba por colocar todo o poder de controlo do lado do utilizador – é como se cada pessoa fosse o seu próprio banco. O utilizador controla as suas transações e, se assim desejar, pode fazer com que seja quase impossível associar uma conta de Monero a uma identidade.

Em termos de características o Monero também funciona como um bem fungível. Recorrendo ao dicionário para explicar este conceito, é um bem “que pode ser substituído por outro do mesmo género, da mesma qualidade ou quantidade”.

Se o José emprestar uma nota de dez euros ao Carlos, mais tarde o Carlos pode pagar o empréstimo com dez moedas de um euro que a dívida fica saldada. Agora se o José emprestar um iPhone X ao Carlos para fazer uma chamada e ele devolver um Samsung Galaxy Note 8, a dívida não está saldada, pois neste caso os telemóveis não são bem fungíveis.

Partindo destes pressupostos, as criptomoedas não são todas elas fungíveis? Mais ou menos. Como o Bitcoin tem uma rede de blockchain pública, é possível saber o passado de transações de uma determinada unidade da moeda e saber qual a sua ‘bagagem’. Não que faça grande diferença em termos da transação propriamente dita, mas provavelmente muitos utilizadores não querem estar associados a bitcoins que foram utilizados em atividades ilegais como o tráfico de droga ou pornografia infantil. Em determinados exchanges, há bitcoins que podem valer menos justamente pelo seu passado mais problemático.

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Como os registos de transação do Monero não são públicos, então diz-se que esta é uma moeda ‘limpa’, pois nunca ninguém sabe por onde já passou e em que ações foi utilizada. Sim, também pode ter sido usada para atividades ilegais, mas simplesmente não há forma de provar isso. O Monero não pode por isso ser ‘discriminado’ face ao seu passado, o que torna igual o valor de todas as moedas, o que faz do Monero um bem fungível.

As transações do Monero são definidas como entradas e saídas, um pouco à semelhança do que acontece com o balanço das contas bancárias. Quando o utilizador pede o extrato para saber qual o seu património, o que é que vê? Entradas e saídas de dinheiro – é o balanço entre estas entradas e saídas que dá o saldo final. Os inputs [entradas] e os outputs [saídas] são aquilo que definem o balanço de uma carteira de Monero.

Mas as particularidades no Monero não ficam por aqui. À semelhança do Bitcoin, as transações do Monero são verificadas através de um processo de validação denominado de mineração. Quem valida as transações desta rede de blockchain é recompensado pelo seu trabalho [proof-of-work].

Acontece que o algoritmo de validação associado ao Monero é muito diferente daquele usado no Bitcoin, pois foi pensado para que a mineração pudesse ser feita com a maior parte dos processadores e unidades gráficas disponíveis, fossem de computadores ou smartphones. Em contrapartida, o Monero é resistente a sistemas de mineração dedicados, conhecidos como ASIC.

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A rede de blockchain do Monero também foi pensada para produzir um novo bloco de validações a cada dois minutos e para garantir sempre uma recompensa mínima de 0,6 XMR por bloco, mesmo que os níveis de mineração sejam muito baixos – justamente para aliciar sempre alguém a fazer o proof-of-work necessário para validar as transações.

Vale a pena ainda referir que o Monero é um projeto open-source que tem uma comunidade ativa composta por mais de 200 programadores, sendo que sete deles constituem o ‘núcleo duro’ de desenvolvimento da plataforma. O Monero, enquanto criptomoeda, foi lançado no final de 2014 e teve origem numa separação da criptomoeda Bytecoin – ainda se chamou BitMonero antes da reformulação para o nome atual.

A dualidade do Monero

A explicação foi longa, mas é muito importante para perceber os aspetos positivos e negativos aos quais o Monero costuma estar associado.

Devido às suas características de privacidade e anonimato, o Monero está entre as criptomoedas preferidas dos criminosos. Uma análise feita pela empresa de segurança informática Recorded Future, citada pela publicação Bleeping Computer, revela que o Monero apesar de ser a sexta moeda mais aceite em sites da dark web, é a que tem registado maior crescimento nos últimos tempos. O Bitcoin e o Litecoin ainda são as criptomoedas mais populares no submundo da internet, segundo a mesma análise.

Devido às suas características de mineração mais simplificadas, o Monero também é a criptomoeda preferida para ataques informáticos e que até deu origem a um novo termo: o criptojacking.

Esta semana foi descoberto que o software Coinhive – permite criar scripts para páginas web que quando executadas ativam a mineração de Monero – foi integrado numa ferramenta que marcava presença em milhares de sites, incluindo sites dos governos britânico e australiano.

Conclusão: milhares de sites estiveram, durante algumas horas, a ‘roubar’ poder de processamento dos dispositivos dos visitantes sem que estes soubessem. Segundo uma reportagem da Motherboard, a descoberta rápida deste esquema fez com que apenas tenha rendido perto de 24 dólares.

A empresa de segurança Malwarebytes também descobriu que um malware criado para dispositivos Android fazia os equipamentos abrirem uma página web a partir da qual era ativada a mineração de Monero. Estima-se que este malware tenha atraído mais de 800 mil pessoas por dia enquanto esteve em funcionamento.

Acontece que as mesmas características que tornam o Monero tão apetecível para pessoas mal-intencionadas, também fazem com que o Monero possa ser explorado para iniciativas bem-intencionadas.

Esta semana ficámos a saber que a publicação Salon vai adotar um sistema de mineração de Monero como forma de monetização. Os utilizadores que tiverem um bloqueador de anúncios ativado vão ser convidados a desativá-lo quando visitam o site e caso o utilizador pretenda manter o bloqueio, pode em alternativa optar por minerar Monero – a favor do Salon – enquanto estiver a navegar no site.

Na prática é possível aplicar o conceito de criptojacking, mas de forma ética e com finalidades transparentes e devidamente comunicadas. Por exemplo, existem várias iniciativas de caridade que usam o Monero como meio de peditório – e que para o utilizador apenas significa deixar um separador do browser aberto. Tenha no entanto em atenção que a performance do seu equipamento vai ser afetada, pois o poder de processamento será direcionado para a mineração da moeda.

Charity Mine e Donate Your Tab são dois projetos que estão a usar os processos mais simples de mineração do Monero para gerar dinheiro para causas ou associações específicas. Mas não podem estes sites ser esquemas fraudulentos? Poder podem – mas tal como nas campanhas de caridade tradicionais, cabe ao utilizador informar-se sobre a quem está a dar o dinheiro para perceber se merece a sua confiança.

Num mundo preenchidíssimo com criptomoedas e tokens, o Monero encontrou o seu espaço ao permitir que de forma flexível o tempo que as pessoas passam na internet possa ser convertido em dinheiro digital. As suas outras características é que depois fazem com que se torne mais apelativo para um determinado grupo de utilizadores.

Mas à semelhança do que acontece com todas as tecnologias, os conceitos de bem e de mal do Monero estão intrinsecamente associados à utilização que cada um lhe dá.

N.R. [11:30 de 17-02-2018]: Artigo corrigido para refletir que a recompensa mínima por bloco no Monero é de 0,6 XMR

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