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A Intel comprou a peça que faltava para o seu carro autónomo. Agora está à frente de todos os outros

Criar um carro que consegue conduzir sozinho é um esforço tecnológico que envolve diferentes tecnologias e que por norma estão distribuídas por diferentes empresas. A Intel quer ser a primeira a conseguir ter debaixo do mesmo teto toda a experiência e conhecimento para conseguir desenvolver veículos autónomos sem ficar dependente de terceiros. Passamos a explicar.

Os carros autónomos vão precisar de uma forte conectividade e a Intel é uma das empresas que está a posicionar-se como líder no segmento do 5G, estando já a testar chips que serão compatíveis com as redes móveis de nova geração.




Os driverless cars também vão precisar de processadores rápidos e unidades gráficas potentes para fazerem um grande volume de cálculos no mais curto espaço de tempo possível – é aqui que entram os processadores Xeon e os chamados field-programmable gate array (FPGA), circuitos integrados que podem ser configurados às necessidades específicas de cada tarefa para um rendimento superior. A isto juntam-se as ainda misteriosas memórias 3D XPoint, mas que prometem um desempenho superior ao das memórias DRAM agora usadas.

Os veículos com capacidades de condução autónoma vão também produzir um grande volume de dados: de acordo com as próprias expectativas da Intel, em 2020 serão gerados 4.000 GB de dados todos os dias apenas pelos carros autónomos. A Intel anunciou recentemente uma mudança na sua estratégia que contempla inclusive maior destaque para os centros de dados e não tanto para o desenvolvimento de processadores para computadores.

O que é que faltava à Intel? A tecnologia de computer vision, machine learning, análise de dados, localização e mapeamento. Não que a Intel não tivesse trabalhos nestas áreas, simplesmente não os tinha tão desenvolvidos como a Mobileye. Foi este motivo que levou a Intel a adquirir a tecnológica israelita por 15,3 mil milhões de dólares.

Intel Mobileye
Da esquerda para a direita: Brian Krzanich, CEO da Intel; Amnon Shashua, CEO da Mobileye; e Klaus Fröhlich, membro da administração do grupo BMW. #Crédito: Intel

“Esta aquisição essencialmente funde os olhos inteligentes dos carros autónomos [Mobileye] com o cérebro inteligente que de facto conduz os carros [Intel]”. A declaração é do diretor executivo da Intel, Brian Krzanich, e é a explicação mais simples sobre o motivo pelo qual a gigante norte-americana avançou com esta aquisição.

O valor de mercado da Mobileye ronda os 10 mil milhões de dólares, pelo que a Intel acabou por pagar um prémio significativo relativamente ao atual valor da empresa israelita. A Mobileye foi fundada em 1999 e vai passar a ser liderada pelo seu cofundador e até aqui diretor tecnológico, Amnon Shashua. Israel passa a ser o centro de desenvolvimento principal para as tecnologias de condução autónoma da Intel.

A venda da Mobileye é o maior negócio de sempre para uma tecnológica israelita

Além da tecnologia em si e da potencialidade de criar um ecossistema integrado relativamente ao segmento dos veículos autónomos, os comunicados da Intel sobre o negócio revelam outro motivo importante para a aquisição da Mobileye – já é uma empresa com uma presença forte junto dos fabricantes automóveis. Ou seja, a Intel não só encurtou o caminho tecnológico para a criação de carros totalmente autónomos, como também encurtou bastante o caminho comercial que está a abrir-se neste segmento.

A Mobileye confirmou que está a trabalhar atualmente com 27 fabricantes automóveis, o que coloca a Intel com uma muito interessante base de clientes.

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A tecnologia da Mobileye, composta por sensores de imagem e chips de processamento, reconhece sinais de trânsito, é capaz de fazer ultrapassagens e também de conduzir em ambiente citadino noturno. #Crédito: Intel

Em menos de 15 anos estima-se que o mercado dos veículos autónomos represente uma oportunidade de 70 mil milhões de dólares, pelo que a Intel não quer cometer neste segmento o mesmo erro que cometeu ao não conseguir prever o rumo que os dispositivos móveis dariam ao mundo.

A Intel já era parceira da Mobileye no desenvolvimento dos veículos autónomos da BMW, sendo que este acordo específico prevê a colocação de 40 veículos autónomos nas estradas dos EUA e também da Europa num período de testes. A Intel e a Mobileye juntaram forças num acordo com a britânica Delphi, que também tem em vista a integração de sistemas de condução autónoma em veículos.

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O desenvolvimento destes projetos deverá inclusive ter ajudado a Intel a perceber melhor o potencial que a tecnologia da Mobileye terá quando integrada com os restantes componentes que já consegue garantir ‘dentro de portas’.

A Mobileye e a Tesla

A aquisição da Mobileye torna a Intel numa rival direta da Waymo, da Uber e da Tesla, três das empresas que estão a liderar o desenvolvimento de tecnologia para carros autónomos. A Mobileye tem inclusive um ‘historial’ com a Tesla.

A tecnologia da Mobileye era aquela que equipava o sistema Autopilot da Tesla. Mas quando no ano passado um veículo sofreu um acidente, em modo automático, que acabou por resultar na morte do condutor, a Tesla decidiu afastar-se da empresa israelita e criar a sua própria tecnologia de condução autónoma.

A Mobileye também fez parte do desentendimento entre George Hotz e Elon Musk. O conhecido hacker norte-americano e agora fundador da Comma.ai sempre classificou a tecnologia da Mobileye como um embuste. Das acusações, Hotz passou para as ações: decidiu criar o seu próprio sistema de condução autónoma para surpreender Elon Musk.

O descrédito levantado pelo hacker relativamente à Mobileye também terá contribuído para a decisão de Elon Musk de afastar-se da empresa, pois George Hotz acabou mesmo por apresentar um sistema de mil dólares que dá capacidades de condução autónoma aos veículos. Hotz e Musk não chegaram depois a acordo por outras questões, mas os danos já estavam feitos.

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O caso melindroso entre a Mobileye e Tesla não parece ter assustado a Intel. Pois apesar de ter perdido um grande cliente, a Mobileye ainda é responsável por uma quota de 70% dos sistemas de condução avançada e anti-colisão, salienta a CNBC.

O negócio, que deverá estar totalmente concluído dentro de nove meses, é também visto como uma resposta da Intel à aquisição que a rival Qualcomm fez em 2016. A empresa que atualmente domina no mercado dos processadores para dispositivos móveis desembolsou 47 mil milhões de dólares pela NXP, o maior fornecedor de chips para veículos automóveis.

“A colaboração profunda que precisamos para acelerar as coisas [desenvolvimento de veículos autónomos] não pode ser feito sem estarmos juntos”, disse o diretor tecnológico da Mobileye, Amnon Sashua, durante uma conferência telefónica a propósito do negócio, relata a publicação Recode.

Ao conseguir controlar o desenvolvimento de todos os principais componentes de um veículo autónomo, a Intel pode em teoria criar uma melhor otimização do seu sistema quando comparado com os sistemas rivais. Se precisar de um exemplo para perceber isto melhor, a Intel pode ser para os carros o que a Apple é atualmente para os smartphones – controla os principais pontos de desenvolvimento do produto. Mas ao contrário da Apple, o objetivo da Intel não é manter o ecossistema fechado, mas sim torná-lo acessível para um grande número de fabricantes automóveis.

O negócio não saiu barato – 15,3 mil milhões de dólares é um dos maiores negócios entre tecnológicas dos últimos anos -, mas deixa a Intel numa posição privilegiada relativamente à concorrência.