João Marques Lima

Pode Portugal liderar na revolução dos veículos autónomos?

Da legislação à mentalidade dos portugueses, ainda há muito que tem de ser feito, mas nem tudo está perdido.

A tecnologia existe e muito provavelmente irá fazer-se à estrada mais cedo do que muitos pensam. Entre 2018 e 2022 os veículos sem condutor começarão a ser utilizados. Primeiro talvez com camiões e então depois com carros para o cidadão comum.

Uma primeira porta de entrada serão os táxis sem condutor. Imagine-se por exemplo um serviço como a Uber a usar carros sem condutor. Simplesmente chama-se um táxi pela app no telemóvel e o carro conduz-se a si próprio e deixa o passageiro no destino desejado, partindo depois para ir buscar outro passageiro. Não havendo um humano no carro, o veículo pode ser utilizado 24/7.

Futurístico? Não, de todo. A Uber já está a conduzir testes em ruas abertas na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Porquê? Porque os carros sem condutor são uma realidade e o futuro, diz o CEO da empresa, Travis Kalanick.

Dos Estados Unidos, ao Reino Unido, à Alemanha, Holanda, Suécia, China, Austrália, Singapura, Japão, e por esse mundo fora, mais de cinco mil milhões de dólares já estão a ser investidos no desenvolvimento das tecnologias necessárias aos carros sem condutor. E não só.

Estes países também estão empenhados em criar as novas legislações e as seguradoras também estão envolvidas para que se perceba como todo este novo ecossistema irá funcionar.

Google, Apple, Baidu e todos os grandes fabricantes de automóveis estão bastante envolvidos nesta nossa fase de mobilidade.

Mas e Portugal? O país que deu novos mundos ao mundo não está tão empenhado na revolução automóvel como poderia estar – e deveria. Portugal está atrasado para a corrida. O país está mais voltado para a panorâmica das start-ups, o que é bom, mas não é o suficiente. Há que embarcar na revolução digital por completo.

Em março foi com grande prazer que li sobre a – muito pequena e breve – menção do primeiro-ministro António Costa sobre a necessidade de desburocratizar as atuais leis e regulamentações para que tecnologias como carros sem condutor possam ser testadas em estradas portuguesas.

“[É preciso] derrubar barreiras e criar liberdade para que as ideias possam crescer,” disse ele.

Não foi muito, mas já foi um começo. E esse pequeno ‘empurrão’ legislativo parece ter surtido efeito. Em abril, João Vasconcelos, secretário de estado da Indústria, finalmente revelou que o governo está a trabalhar para modificar as leis e regulamentações que não permitem que o sector automóvel por exemplo, possa adensar as suas pesquisas e testes no campo dos carros sem condutor.

Quem segue os trabalhos e apresentações de Vasconcelos depressa se apercebe que ele ‘means business‘ e por isso podemos de facto esperar algo mais do Governo do que somente palavras.

No que toca a esta história dos carros completamente autónomos, Portugal tem várias coisas a seu favor para que possam ser testados, e quem sabe mesmo, serem introduzidos para uso público muito antes de outros países. Mas isso também requererá educação e habituação do público a esta nova tecnologia, e os portugueses terão de se abrir a tal e mudar os seus hábitos de deslocação.

Mas comecemos com o clima. Temos de tudo. Chuva, sol, nevoeiros densos, neve, tudo. Os carros sem condutor de hoje são essencialmente orientados pelas faixas nas estradas em junção com funções GPS e mapas inteligentes, daí a maioria dos testes com neve ainda não ter sido um sucesso, à exceção da Ford na Suécia.

Por exemplo, estes carros podem muito bem ser testados em estradas na Serra da Estrela. Os desafios que se apresentam são grandes – declives, gelo, neve, passagens estreitas, etc – e se um carro conseguir conduzir nessas condições tem tudo para dar certo. O facto de também ser uma zona longe de zonas populacionais ajuda estes testes de alto risco.

Ao mesmo tempo seria possível estudar o impacto destes veículos na luta contra o isolamento de populações no interior. Imagine-se só a liberdade e independência de um habitante de Alvoco da Serra nos seus 80 e muitos anos ao poder ser conduzido do alto da montanha até ao hospital mais próximo, ou mesmo ir dar uma volta pela serra. É todo um mundo diferente aquele que estamos prestes a entrar.

Descendo a serra as nossas autoestradas são das melhores da Europa. Com algumas modificações – sinais, barreiras – seria fácil criar vias de teste para carros, camiões e outros veículos sem ninguém ao volante. No futuro poderemos mesmo dedicar uma faixa exclusivamente a carros sem condutor enquanto transitamos de veículos que têm de ser conduzidos para os que se conduzem a si próprios.

As grandes cidades do país também estão bem equipadas e têm zonas propícias para testes. Por exemplo, em Lisboa, a zona ribeirinha pode ser usada para testes ao fim de semana quando há peões à volta, mas o trânsito é menos denso, permitindo ter mais controlo sobre o carro no caso de alguma coisa correr menos bem.

A zona do Parque das Nações é talvez a mais provável para testes, e onde uma eventual introdução de carros públicos, tal como vai ser iniciado em Greenwich, Londres, este verão, é mais provável.

Os carros sem condutor de uso partilhado podem mesmo vir a ser uma solução para Lisboa e o país. Um estudo recente do Fórum Internacional do Transporte, parte da OCDE, mostra que carros sem condutor de uso partilhado podem tirar das estradas da cidade até 65% do número de carros usados.

É isso mesmo, as necessidades de deslocação daqueles que vivem e trabalham em Lisboa podem ser respondidas simplesmente com 35% do número de carros utilizados hoje durante a hora de ponta. Fora da hora de ponta, 90% dos veículos poderiam desaparecer.

O impacto disto seria enorme. Imaginem-se as possibilidades com todo o espaço de estacionamento livre.

Por exemplo, não seria necessário investir milhões de euros na adaptação das estradas, e uma vasta maioria das ruas poderiam ser renovadas para uso de peões. Grandes expansões do metro também não seriam necessárias, poupando milhões de euros que poderiam ser investidos noutras infraestruturas.

E isto é só a ponta do iceberg. As vantagens são imensas e tocam ainda no facto de os carros sem condutor poderem reduzir o número de acidentes e mortos na estrada até 90%.

Portugal só tem a ganhar com a desburocratização da sua legislação que impede estas tecnologias de serem testadas. Está agora nas mãos do Governo criar um ecossistema onde empresas de qualquer tamanho possam investir e desenvolver estas tecnologias. Está também nas suas mãos a tarefa de atrair grandes companhias como a Google, Ford, Volvo, etc, para que estas testem os seus carros em Portugal.

Quanto aos cidadãos, é melhor que se vão habituando à ideia, pois os próximos 20 anos vão transformar não só a forma como nos deslocamos, assim como as nossas estradas e espaços públicos.