Dali VR

Dali VR e a difícil arte de dar novos mundos ao mundo

Quando entrevistámos o diretor executivo da Leap Motion, Michael Buckwald, na primeira edição do Web Summit em Portugal, ele disse que o futuro da realidade virtual estava nas nossas mãos – literalmente. Não é por isso de estranhar que passado um ano, novamente no Web Summit, nos tenha chamado a atenção um projeto de realidade virtual que já estava a integrar aquele conceito.

Seria um jogo? Seria uma nova plataforma de entretenimento? Seria um simulador terapêutico? As nossas apostas não podiam estar mais erradas. Tratava-se de uma ferramenta de visualização e análise de dados focada no mercado empresarial. Como se já não fosse peculiar suficiente, o projeto denominado por Dali VR tinha ainda a particularidade de ter origem portuguesa.

Siga o Future Behind: Facebook | Twitter | Instagram

Pedro Rodrigues e Catarina Runa são os criadores do Dali VR, um projeto que apesar de estar em desenvolvimento desde 2015, só nos meses mais recentes tem ganhado uma faceta mais pública. Por exemplo, na semana passada o Dali VR passou a ser uma das quatro empresas que fazem parte do capítulo português da VRARA.

Visualizar dados em realidade virtual pode não parecer o cenário mais intuitivo do mundo à primeira vista, mas também é inegável que este formato traz algumas vantagens preciosas para quem quer e precisa de consumir grandes volumes de informação de forma simplificada.

“Com a realidade virtual conseguimos assimilar ou existe a potencialidade para assimilar mais rapidamente a informação, estamos imersos num ambiente, estamos mais focados nos dados”, começou por explicar Pedro Rodrigues a propósito do seu projeto. Além disso a equipa do Dali VR também encontrou indicadores no mercado de que as soluções empresariais de realidade virtual vão, com o tempo, representar uma parte importante deste ecossistema.

“Existem imensas empresas cuja necessidade é a análise de dados, para chegar a novos insights e a novas informações. Então visto que com a realidade virtual nós conseguimos dar contexto, podemos dar uma nova perspetiva para analisar os mesmos dados, se calhar podemos beneficiar de tomadas de decisão, podemos levar as pessoas a descobrirem certos padrões, novas tendências, ou seja, poderá ser mais fácil para chegar a novas conclusões”, acrescentou em entrevista ao FUTURE BEHIND.

Claro que parece difícil imaginar o cenário em que numa reunião de direção, todos os membros vão colocar uns óculos de realidade virtual para analisarem em conjunto alguns indicadores da empresa. Ou como diz Pedro Rodrigues, “claro que se for para ver gráficos de barras ou ler texto, a realidade virtual não será de certeza o meio mais adequado”.

“A maior diferenciação é conseguires colocar no mesmo ambiente, ao mesmo tempo, vários indicadores, vários tipos de informação, seja vídeo, seja imagens, seja números, texto, qual seja o tipo de informação, e conseguires visualizar em tempo real para tomares decisões baseado nessa informação. Se tivesses de visualizar tudo isso separadamente em tempo real, provavelmente não ias conseguir, se forem muitos indicadores provavelmente não vais conseguir naquele momento perceber qual é a melhor decisão para a empresa”, explicou Renata Santos, elemento da Dali VR que está responsável pela parte de marketing.

Dali VR
Renata e Pedro já representaram o Dali VR em vários eventos internacionais, como o TechCrunch Disrupt em Berlim. #Crédito: Future Behind

Renata Santos deu depois o exemplo de Singapura, um país no qual o governo tem apostado na criação de interfaces de desenvolvimento de aplicações (API na sigla em inglês) que são fontes para uma grande variedade de dados, incluindo temperatura, número de transportes públicos, zonas com maior densidade populacional, polícias, entre outros. Ou seja, seria possível pegar nestes dados e dar-lhes corpo através do Dali VR.

“Conjungando tudo isso em tempo real conseguimos, por exemplo, saber que temos um elevado número de pessoas num certo sítio e que não existem transportes suficientes ou táxis, o que permite aumentar o número de transportes e de polícia para essa área”, explicou.

Mas esta é só uma das dimensões do Dali VR. Se as ambições da equipa se concretizarem, então esta ferramenta pode muito bem encontrar o seu espaço junto das empresas.

Mundos virtuais faça você mesmo

Usar o nome Dali para definir um projeto é um passo arrojado, pois invariavelmente vai sempre haver quem se lembre do artista de surrealismo Salvador Dali. Por outro lado, a ideia pré-concebida que existe relativamente ao artista catalão ajuda a perceber em parte o grande objetivo do Dali VR.

“Basicamente é criar uma nova realidade em que qualquer pessoa possa desenhar os seus novos mundos, que neste caso vão ser para visualizar dados ou criar experiências”, confidenciou Pedro Rodrigues sobre a origem do nome.

O Dali VR está a ser concebido como uma plataforma de low code, isto é, em que mesmo pessoas sem conhecimentos de programação serão capazes de criar relatórios ou experiências imersivas. Através de um sistema de ‘arrastar e largar’ será possível adicionar ou retirar conteúdos das apresentações VR.

Aqui o módulo Leap Motion tem um papel muito importante: quando ‘emparelhado’ com uns óculos de realidade virtual, reconhece as mãos e os movimentos do utilizador, o que ajuda a tornar a experiência muito mais natural. Quem estiver ‘de fora’ vai ver uma pessoa a apanhar ar com as mãos, literalmente, mas quem está dentro dos óculos vai estar a construir todo um novo mundo de informação.

“O que vamos lançar para o mercado? Um produto, uma solução, que deverá ser instalado num computador – tem que ser VR Ready. Depois dessa instalação a pessoa irá inicializar um ambiente de realidade virtual e depois terá acesso a um mercado, vai ter várias aplicações desenvolvidas por nós, e a ideia é que a pessoa vá a esse mercado e basicamente através de um interface visual consiga arrastar as várias aplicações que pretende para construir o seu ambiente”, pormenoriza Pedro Rodrigues.

Depois o Dali VR vai funcionar na mesma lógica de tantas outras lojas de aplicações: os programadores interessados poderão desenvolver módulos que poderão ser usados por outros utilizadores na criação dos seus mundos virtuais. “O nosso objetivo é ter também incentivos para que os programadores possam desenvolver e vender estas aplicações no nosso mercado”, acrescentou Renata Santos.

À medida que vamos conhecendo melhor as intenções por trás do Dali VR, vai crescendo a dúvida: não seria melhor usar a realidade aumentada nesta abordagem em vez da realidade virtual? Pedro Rodrigues diz que esta é uma questão que surge várias vezes e que pode ser facilmente endereçada com a adaptação dos mesmos conteúdos, simplesmente para uma realidade diferente.

Ainda assim o grande foco do Dali VR está, como o nome indica, na realidade virtual. O saber que a pessoa está 100% focada nos dados e não nas distrações do mundo é um elemento muito importante nesta equação. Mas aquele que acaba por ser um dos grandes elementos de diferenciação do projeto é ao mesmo tempo aquele que também lhe traz mais desafios.

“Se nós formos falar com um banco, com uma seguradora, para essas entidades, realidade virtual ainda é muito novo. Ou seja, ainda é uma tecnologia muito nova e vai ser usada para marketing, vai ser usada para gerar um ambiente virtual, para um serviço de banca interativo, seja o que for, mas nunca para análise de dados. Muitos bancos nem sequer têm a informação digitalizada, quanto mais passar do papel para o PC e passar logo do papel para a realidade virtual. Há aqui uma ponte que não vai acontecer”, explicou Pedro Rodrigues.

Enquanto essa ponte está a ser construída, os elementos do Dali VR estão conscientes que vão ter de fazer uma pequena travessia no deserto. “É preciso apostar já para criar o produto para quando a tecnologia estiver pronta, quando os óculos estiverem mais ergonómicos, quando estiverem massificados, existe a necessidade de haver soluções, é mais nessa perspetiva que temos vindo a apostar”, salientou o cofundador.

Por outras palavras, se a grande explosão da realidade virtual acontecer em 2020, começar só nesse ano a trabalhar numa nova solução de raiz poderá já ser tarde de mais em termos de competitividade.

O objetivo da equipa do Dali VR passa por colocar o produto no mercado ainda em 2018. “Queremos acreditar que sim, queremos acreditar que sim. Ou pelo menos estamos a trabalhar para isso”.