Hell is Us

Hell Is Us – Análise

Há algo em Hell is Us que captou imediatamente a minha atenção. Numa era em que a maioria dos jogos se preocupa em pegar-nos pela mão e guiar-nos até ao próximo objetivo, a Rogue Factor deitou fora as rodinhas da bicicleta e deixa os jogadores descobrirem as coisas por si mesmos. A recusa em nos trazer mais um jogo com um design conveniente, Hell is Us não tem mapa, marcadores com as missões nem caminho óbvios para seguir.

O conceito pode não resultar sempre, mas diversidade nos videojogos é sempre bem-vinda.

Uma guerra que não acaba

Passado no país fictício e devastado pela guerra, Hadea, este não é apenas mais um jogo de ação pós-apocalíptico. Somos Remi, um jovem exilado que foi retirado do seu país e criado no Canadá, agora a regressar à sua terra natal em busca dos pais desaparecidos, no meio de uma guerra civil brutal.

O que começa como uma missão pessoal rapidamente se transforma em algo muito mais sombrio. O país já não lida apenas com conflitos humanos. Criaturas sobrenaturais conhecidas como Hollow Walkers começaram a surgir, imunes ao armamento moderno e estão aparentemente ligados às próprias emoções que alimentam a guerra civil. De alguma forma, podem ser feridas com armas antigas que Remi encontra, que dá a entender uma ligação entre esta ameaça sobrenatural e o passado esquecido do país.

A abordagem narrativa é diferente, mas abstrata. Não há grandes explicações a debitar a história ou o contexto do mundo que nos rodeia. Em vez disso, somos lançados para dentro deste mundo e esperam que a verdade venha à tona através da observação, ler os itens que encontramos e o que absorvemos no ambiente.


Preparem o bloco de notas

A jogabilidade é onde Hell is Us faz a sua declaração mais ousada contra as “normas atuais” no design de jogos. Este jogo quer que andemos à descoberta, mas com todas as dores que isso comporta. Não há mini mapa, marcadores de objetivo, nem diário de missões a lembrar-nos do próximo passo. Temos de ler todas as conversas com os npc’s, já que nos dão pequenas pistas como, “se fores para norte encontras a igreja”, e é assim que nos vamos orientando.

Pode soar intimidante, mas é imersivo, depois de nos habituarmos. De certo modo evoca o espírito dos jogos de aventura dos anos 90, quando nos perdermos fazia parte da experiência. O mundo é composto por grandes áreas centrais (hubs) repletas de segredos, histórias secundárias e masmorras, em vez de um enorme mundo aberto, o que torna a navegação um pouco mais contida, sem perder a sensação de descoberta.

Cada recanto esconde pistas, segredos ou perigos, mas a nossa curiosidade é o principal, em vez de estarmos sempre a olhar para marcadores pré-definidos. O jogo espera que tiremos notas, observemos tudo com atenção e que destaquemos itens importantes como favoritos para fácil referência mais tarde. Este nível de descoberta por parte do jogador quase desapareceu nos jogos modernos, e é evidente que isto não vai agradar a todos.

E eu me incluo. De início tive bastantes dificuldades com a interface de utilizador dos menus de maneira a entender o que fazer ou para me empurrar em alguma direção. Aos poucos tive de parar e analisar o próprio menu, para mim impensável num videojogo. Aos poucos fui entendendo melhor como tudo funcionava, ler tudo e mais alguma coisa ao bom estilo dos jogos souls, para poder perceber todo o lore deste mundo pós-apocalíptico e tudo foi encarrilhando.

Os puzzles são onde precisamos mesmo de pensar fora da caixa. Alguns envolvem combinações de símbolos relativamente simples, mas outros são tão complexos que até podem precisar colaboração da comunidade, ou seja, ir ver online. São partes essenciais do design do mundo e podemos encontrar as pistas para os resolver na arquitetura, nos diálogos ou escondidas no próprio ambiente.

Considero que muitos são extremamente obtusos e houve um ou dois que, mesmo com todas as informações à minha frente não consegui resolver os puzzles em questão. Entendo que o objetivo seja esse, mas em certas zonas há vários quebra cabeças para resolver, o que para completamente o ritmo de jogo. Digo isto porque Hell is Us não deixa de ser um jogo de ação e aventura.

Fora isso, andamos muito para trás e para a frente nos níveis, explorando tudo e perdidos no que fazer, o que me tirou do sério pelo tempo gasto sem ter rumo.

Existem Time Loops (loops temporais), que aparecem como bolhas distorcidas no mundo. Estas anomalias são geralmente guardadas por alguns Hollows e não podem ser acedidas sem primeiro obtermos certos artefactos e matarmos os inimigos em questão. Geralmente escondem loot e um pedaço de história.

Um homem e seu drone

O combate tem o seu ritmo, sem ser difícil ao estilo de Dark Souls, mas acaba por parecer algo rijo e pouco fluido principalmente quando o lock on nos inimigos não funciona. Temos ataques normais e fortes, bloqueios, parries e esquivas, além de um fiel drone que faz muito mais do que apenas distrair inimigos. O drone tem várias habilidades que honestamente, são as mais importantes em combate, incluindo o Surge Step para esquivas rápidas e outras opções mais táticas como o Cyclone Spin. A variedade de armas é decente, espadas, lanças e machados, cada um com padrões e velocidades de ataque diferentes. Já a variedade de inimigos deixa algo a desejar, e no geral o combate segue sempre o mesmo ritmo porque são sempre os mesmo quatro ou cinco tipos de Hollows para matar. Só no último nível é que encontramos um novo tipo de monstro que segue a mesma linha dos outros.

Numa nota negativa, encontrei apenas dois bosses e foi dos encontros mais terríveis que tive em muitos anos. Terríveis no sentido de maus, com más mecânicas e nada inspirados, uma má experiência em todos os sentidos.

Um elemento particularmente interessante é a mecânica Healing Pulse, que requer carregar no R1 na altura perfeita que golpeamos um inimigo (e um efeito branco aparece em nosso redor) para recuperarmos pontos de vida. Não há itens de cura recarregáveis, e os consumíveis bem como recursos são extremamente limitados. Temos de dominar esta mecânica, para sobreviver. Além disso, a nossa resistência máxima é limitada pelo teu nível de vida, ou seja, quanto mais dano recebemos, menor a nossa capacidade de resistência até nos conseguirmos curar.

Bom samaritano

Outro aspeto interessante é que as missões secundárias surgem de forma natural. Numa delas, podemos encontrar um relógio de ouro gravado com “Otis” e, de repente, estamos a seguir um rasto que se desenrola numa missão completa. Estas Boas Ações (Good Deeds) mostram o quotidiano da vida destas pessoas neste mundo em guerra civil, em contraste com a narrativa principal. O jogo inclui também itens de pesquisa para colecionar, e somos recompensados com relíquias, armas, equipamento e habilidades.

O sistema de progressão não segue o modelo tradicional de RPG. Não há pontos de experiência nem atributos para melhorar. Em vez disso, o progresso vem da exploração, encontramos novos itens, equipamento e armas que melhoram as nossas capacidades. As armas evoluem com o uso, e um ferreiro (que mais tarde desbloqueamos), que pode transformar armas em versões elementares mais eficazes contra certos tipos de Hollow.

O jogo corre em Unreal Engine 5 e apresenta um desempenho relativamente estável na PS5. Manteve-se estável durante a exploração, embora tenha notado alguns soluços durante alguns combates. Podemos alternar entre os modos Performance e Qualidade com óbvias quebras nos frames por segundo.

Hell is Us divide-se em três atos com muita coisa para fazer e demora cerca de 30 horas a concluir, dependendo de quanto conteúdo opcional completamos e de quantas vezes ficamos presos sem saber o que fazer, e eu perdi algumas horas nesta situação.

A crueldade da guerra

Visualmente, Hell is Us é bastante apelativo e principalmente vende a história que propõem. As paisagens devastadas pela guerra em Hadea misturam trincheiras inspiradas na Primeira Guerra Mundial com elementos de horror sobrenatural, criando um cenário simultaneamente histórico e obscuro. As zonas semiabertas têm pormenores necessários para todo o lore e quando estamos em ambientes mais confinados, a tensão instala-se.

O design das criaturas merece também algum destaque. Os Hollow Walkers são perturbadores e parecem saídos de um pesadelo. Juntamente com o trabalho de iluminação e ambiente, este departamento eleva o jogo e motivou-me a ver mais do jogo antes de desistir pelos seus puzzles obtusos e progressão sem rumo.

O som ambiental é crucial para a navegação e exploração. Como não existem marcadores tradicionais, damos por nós a seguir pistas sonoras para descobrir áreas escondidas. Aliás, há um boss que é fulcral estarmos de ouvidos afinados.

Considerações finais

A minha experiência com Hell is Us tem duas faces. A minha frustração quando andei horas perdido às voltas nos mapas e a minha felicidade quando pegava nas minhas notas e progredia num puzzle. A escolha da Rogue Factor em produzir um jogo com estas características é corajosa, porque aposto que iria vender mais se fosse mais acessível. A história do jogo é espetacular, temos é de estar atentos e ler tudo o que nos aparece, mas a recompensa é real.

Hell Is Us vai dar trabalho, contudo o que vão retirar dele só o vão apreciar depois de o terminarem.

nota 4

+ História
+ Missões secundária bem integradas
+ Os gráficos complementam os ambientes

– Alguns puzzles obtusos
– Pouca direção na progressão