O empreendedorismo português está a bater forte lá fora

Em maio de 2016 o diretor executivo da TOPDOX, Nelson Pereira, disse-nos o seguinte durante uma entrevista: “Uma coisa que nós achámos é que o Silicon Valley é fantástico, tem uma rede incrível de pessoas, mas não vi lá nada – a não ser dinheiro… e muito – que nós não tivéssemos cá em Portugal. Acho que aqui há talento, há condições, há massa cinzenta para fazer este projeto e centenas de outros”.

“Há aí um conjunto de startups a mostrar que não precisamos de estar no Valley e que sabemos fazer coisas – e bem – e que há talento em Portugal”, acrescentou.




Nelson Pereira não é o único a pensar assim. Mais recentemente, em janeiro, o diretor executivo da Infraspeak, Felipe Ávila da Costa, defendia a mesma ideia. “Durante o nosso tempo lá [nos EUA], em termos técnicos e tecnológicos, as startups portuguesas não estão nada atrás das startups americanas e de outras partes do mundo que estiveram connosco lá. Em termos de capacidade de engenharia e noutras áreas técnicas, estamos muito bem”.

Esta capacidade é tal que à empresas portuguesas cuja segunda localização principal, além de Portugal, são os EUA. A Seatwish/Next360 e a Unbabel são apenas dois exemplos disto e às quais já demos destaqui no FUTURE BEHIND.

Tanto Nelson como Felipe participaram em programas norte-americanos de aceleração para as suas startups. Viveram na primeira pessoa as diferenças que existem entre o ecossistema empreendedor português e aquele que é provavelmente o mais importante ecossistema de empreendedorismo a nível mundial.

É difícil, para não dizer impossível, igualar o poderio de investimento que existe nos EUA. Mas isso não significa que a situação portuguesa esteja a melhorar de forma significativa. Aqui basta lembrar o pacote de 200 milhões de euros que o Governo português tem disponível para investimento em jovens empresas para percebermos que o cenário está a mudar.

Este pacote está na realidade pensado para atrair investidores – o Governo desbloqueia dinheiro público se houver investimento privado feito cá em Portugal. Ou seja, este pacote de 200 milhões é na realidade um pacote de 400 milhões, sendo que a segunda metade é investida por fundos privados.

“Estes investidores é que vão dar mundo às nossas empresas. Eu não estou satisfeito em ter empreendedores portugueses, por causa da sua base científica, terem de ir buscar financiamento a Boston ou a Londres ou outros sítios, quando temos os instrumentos financeiros em Portugal”, disse o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, numa entrevista dias antes do anúncio oficial do pacote de investimento.

Portanto: temos as skills técnicas, o dinheiro começou a surgir, mas faltava ainda um terceiro elemento para colocar o empreendedorismo português no mapa – mediatismo. ‘Estava’, pois o mediatismo começou a surgir e com grande força. No espaço de poucos meses o ecossistema de empreendedorismo português foi positivamente referido por três publicações que são referência junto dos poderes de decisão e investimento.

A Wired foi a primeira a ‘encostar a barriga ao balcão’, em setembro do ano passado, ao incluir Lisboa como um dos principais núcleos de empreendedorismo da Europa. A capital portuguesa entrou pela primeira vez nesta lista – referente ao ano de 2016 – e ficou ao lado de outras grandes capitais do empreendedorismo como Londres e Berlim. A publicação deu destaque a dez empresas portuguesas e ainda à incubadora Beta-i.

No artigo é relembrado que Lisboa derrotou muitas outras cidades europeias que lutavam pela realização do Web Summit e destacou, por exemplo, a boa logística da cidade, um apoio político forte e uma comunidade tecnológica ativa.

Já no dia 1 de fevereiro, deste ano, foi a vez da Bloomberg publicar um artigo onde aborda o ecossistema do empreendedorismo português. “Em tempos Portugal já lançou navios, agora lança startups” é o título do artigo.

Portugal surge no artigo como uma boa alternativa para todos os que querem evitar os problemas e as dificuldades que vão ser levantados por causa dos limites que serão impostos pela saída do Reino Unido da União Europeia.

“Agora uma confluência de forças está a fazer com que empreendedores construam as suas próprias empresas em casa. Graças à cloud computing e a software de código aberto, é mais fácil e barato do que nunca montar plataformas digitais em qualquer lado”, explica a Bloomberg a propósito do momento que o país vive.

 

Depois explica como o facto de ser um país com uma população relativamente pequena acaba por ser um elemento de força para as startups – como o mercado interno não é muito atrativo, as startups nascem já com estratégias que contemplam a internacionalização.

Foi também agora em fevereiro que a publicação líder no segmento do empreendedorismo, o TechCrunch, escreveu sobre Portugal. “Em 2016 Lisboa ligou os seus motores – em 2017 vai ouvi-los rugir” é o título do artigo da publicação norte-americana.

Dentro da sua análise, o TechCrunch destaca inclusivamente como o facto de os filmes e as séries em Portugal não serem dobrados contribui para o facto de a população portuguesa ter um bom nível de domínio da língua inglesa. Isso tem reflexos não só na tal mentalidade de internacionalização, como facilita e bastante que empresas, investidores e outros agentes de mercado venham até Portugal para tratar de negócios.

Quando se trata de elogiar o bom momento do empreendedorismo português, até a meteorologia é usada como um argumento a favor de Portugal e que outras grandes cidades europeias simplesmente não conseguem garantir. Café e cerveja baratos? Também check!

O terceiro elemento, o de mediatismo, está finalmente a aparecer. Ao ser referido como um exemplo por algumas das publicações mais influentes do mundo, o nome de Portugal está a chegar a mais pessoas, a muitas mais pessoas. A situação desenrola-se depois como uma pescadinha de rabo na boca: mais pessoas a sentirem-se atraídas por Portugal poderá significar mais dinheiro; mais dinheiro poderá significar mais oportunidades para mais empresas; mais empresas ‘made in Portugal’ vão atrair maior mediatismo. O ciclo está formado, resta mantê-lo e alimentá-lo.

O empreendedorismo português vai bem e recomenda-se. O cenário pode ainda não ser perfeito, mas já tem estatuto suficiente para ter um impacto forte lá fora. E isso quer dizer muito.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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