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Quanto mais a Google se aproxima da Apple, mais se nota como são diferentes

A Google reservou o dia de ontem, 4 de outubro, para a apresentação do novo alinhamento de produtos da sua divisão de hardware – e que dia. A tecnológica de Mountain View anunciou nada menos, nada mais do que oito gadgets. Para uma empresa que nunca deu grande prioridade ao segmento de hardware, este parece ser um compromisso sério por parte da Google.

No final de setembro a Google anunciou a aquisição de parte da equipa de engenharia da HTC, um negócio visto como mais um sinal de que a empresa quer começar a ser levada a sério no desenvolvimento de gadgets. Há muito que a Google produz hardware, mas nunca foram apostas de longo prazo.

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Por causa do negócio com a HTC foram várias as análises que sugeriram que a Google quer lutar taco a taco com a Apple. Numa primeira fase esta luta nunca será equilibrada, pois a marca da maçã traz décadas de experiência a criar hardware e a distribuí-lo pelo mundo, ao passo que o Pixel da Google, por exemplo, vai ficar conhecido como um dos melhores smartphones da sua geração que poucos conseguiram comprar.

As análises que posicionam a Google lado a lado com a Apple não estavam no entanto totalmente erradas. Olhando para o portfólio de equipamentos das duas empresas, há várias categorias e produtos que são transversais.

A Apple tem o iPhone 8 e o iPhone X, a Google tem o Pixel 2 e o Pixel 2 XL. A Apple tem o Macbook, a Google tem o Pixelbook. A Apple tem o HomePod, a Google tem o Home. A Apple tem os AirPods, a Google tem os EarBuds. A Apple tem o Pencil, a Google tem a Pixelbook Pen. A Apple tem a Apple TV, a Google tem o Chromecast Ultra. A Apple tem depois outros gadgets que a Google não tem – como o relógio Watch – e a Google tem outros gadgets que a Apple não tem – como os óculos Daydream View e a câmara Clips.

Ainda que estes equipamentos referidos não sejam concorrentes diretos – o público-alvo de um Pixelbook não será certamente o público-alvo de um Macbook -, acabam por integrar as mesmas categorias de hardware. É por isso uma evolução interessante, pois basta tentar fazer a mesma comparação considerando o que existia há cinco anos e torna-se difícil encontrar tantos paralelismos.

Google 2017
Está bem composta a família de gadgets da Google. #Crédito: Google

A grande questão é que as duas empresas continuam a ser fundamentalmente diferentes e isso é notório até na própria estrutura das apresentações que as tecnológicas preparam. A Google é e continua a ser acima de tudo uma empresa de serviços e software. A Apple é e continua a ser acima de tudo uma empresa de hardware.

Tudo isto acaba por resultar numa ideia curiosa: apesar de haver de facto uma maior aproximação da Google ao que a Apple faz, esta aproximação deixa mais claro do que nunca como estão distantes estas duas gigantes norte-americanas.

Assistentes com abordagens diferentes

No mais recente evento da Apple, no qual foram apresentados os iPhone 8 e iPhone X, a empresa liderada por Tim Cook quase não deu destaque à assistente pessoal Siri. A Siri enquanto assistente digital integrada em equipamentos de hardware foi um projeto pioneiro – a Apple disponibilizou a Siri juntamente com o iPhone 4s no ano de 2011. Foram precisos alguns anos até que os concorrentes mais concretos – Cortana, Alexa e Google Assistant – chegassem ao mercado.

Apesar de ter sido pioneira neste segmento, existe a ideia de que a Apple está a ficar para trás na corrida dos assistentes digitais. A Siri, fruto das vendas do iPhone e do iPad, provavelmente ainda é a assistente com maior distribuição a nível global, mas não tem por exemplo tantos skills como a Alexa da Amazon ou as mesmas capacidades de interligação semântica de um Google Assistant.

Mesmo quando se pensava que a Siri podia ganhar algum fôlego, com a integração no HomePod, a Apple fez o que sabe melhor – promoveu o HomePod como um bom equipamento de som e não como uma coluna que tem uma boa assistente digital associada.

Já a Google fez justamente ao contrário. Tal como tinha acontecido há um ano, o evento de hardware teve como mensagem subliminar o Google Assistant. A ferramenta de inteligência artificial está em todo o lado e é sem dúvida o grande motivo pelo qual a tecnológica está a criar tanto hardware – em quantos mais equipamentos o Google Assistant estiver, mais dados vai recolher, mais inteligente vai ficar.

Google Assistant
Decore o símbolo do Google Assistant, ainda vai vê-lo muitas vezes. #Crédito: Google

A Google mostra também o caminho para outros fabricantes de hardware que vão querer integrar o Assistant nos seus equipamentos. Isto é algo que a Amazon já faz muito bem com a Alexa, daí que no início deste ano a assistente tenha sido integrada em tudo um pouco, desde frigoríficos a aspiradores.

Se no HomePod da Apple a Siri parece um extra, no Google Home, no Google Home Mini e no Google Home Max o Assistant parece ser o grande motivo para a sua compra.

O que acaba de ser dito relativamente às colunas de som das duas empresas é transversal às restantes categorias de equipamentos que as tecnológicas têm em comum. A Siri marca presença em todos os gadgets da Apple, mas o foco está sempre no hardware, ao passo que na Google o Assistant também está em todo o lado, mas o foco está no próprio software.

Um outro pormenor que reafirma estas posturas. Desde o iPhone 7 Plus que a Apple tem um duplo sensor de imagem no seu modelo topo de gama para permitir resultados fotográficos que até então não eram possíveis de concretizar nos seus smartphones. O chamado efeito bokeh, que coloca em evidência um sujeito ou um objeto contra um fundo desfocado, rapidamente tornou-se popular na indústria.

A evolução que a Apple decidiu fazer nos seus equipamentos recorrendo a hardware, a Google faz agora recorrendo apenas a software. No evento de ontem a Google diz que consegue atingir com um sensor de imagem os mesmos resultados para os quais as outras empresas precisam de dois. O segredo? Software pois claro. Usando algoritmos de imagem e técnicas avançadas de machine learning, os primeiros resultados do Pixel 2 mostram que o duplo sensor fotográfico tem no software um rival à altura.

Estes são exemplos que mostram que por muito convergentes as estratégias das empresas possam parecer, a Google e a Apple ainda são muito diferentes na resolução de problemas.

Uma época de viragem

Estamos a viver uma fase muito interessante no mundo das tecnologias. A afirmação de algumas tendências, como a inteligência artificial, tem feito algumas empresas reconsiderarem o seu próprio posicionamento. A Google já disse que está numa fase de transição de mobile-first para AI-first. A Microsoft já fez o mesmo. Então e a Apple?

A Apple ainda não assumiu esta postura, pois em bom rigor a Apple ainda vive do conceito de mobile. Mais de metade das receitas anuais da Apple são garantidas pelas vendas do iPhone – e sendo a Apple uma empresa dedicadamente de hardware, nunca terá a mesma necessidade de reconversão das empresas rivais.

Acontece que o mundo está a mudar. O hardware produzido pelas diferentes marcas é, em última instância, todo ele muito semelhante. As previsões dos especialistas dizem que no curto prazo será o software a pesar na escolha do hardware dos utilizadores. Que lugar há neste mundo para uma empresa de hardware como a Apple?

A resposta não é óbvia nem direta. Primeiro porque a Siri, apesar da teórica desvantagem que tem para os assistentes rivais, continua a ser um dos melhores assistentes da atualidade. Basta a Apple focar-se novamente na Siri e a qualidade da ferramenta pode melhor de forma substancial, pois recursos é algo que não falta à marca da maçã.

Depois porque a Apple já mostrou estar muito atenta a este mundo do software. Basta olhar para o trabalho que a empresa fez com o ARKit – de um momento para o outro a Apple transformou-se numa das maiores potências mundiais em realidade aumentada, mesmo sem ter criado hardware específico para o efeito.

Com o ARKit a Apple fez no software o que tantas vezes já fez em hardware – não foi a primeira a chegar a esse mercado, mas quando chega, chega com estrondo e qualidade. De tal forma que até a Google, já com vários anos de investimento em AR, teve de lançar uma resposta rápida à investida da Apple. Enquanto o ARKit já vai maravilhando alguns utilizadores, o ARCore é por agora um projeto em desenvolvimento.

Moral da história? Mesmo com a preferência da Google pelo software e com a preferência da Apple pelo hardware, os trabalhos das empresas nos campos opostos não devem ser subestimados. A Google mostrou que sabe fazer hardware de qualidade e a Apple que sabe fazer software revolucionário.

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