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A Apple liderou a revolução dos smartphones, a Samsung atualmente é quem domina o mercado, mas há uma empresa que nos últimos dois anos tem tido um desempenho fulgurante e está a assumir um lugar de proeminência no segmento dos dispositivos móveis. Em 2017 a Huawei e os seus equipamentos dispensam apresentações.

O que hoje parece um dado adquirido nem sempre foi assim. Basta recordar que a entrada da Huawei, em Portugal por exemplo, só aconteceu em 2010. Os primeiros anos da tecnológica no mundo dos smartphones foram bastante discretos, tempos esses que agora parecem muito distantes.



O melhor exemplo disto é o terceiro lugar que a Huawei ocupa no ranking das empresas que mais smartphones vendem em todo o mundo. De acordo com dados da IDC, no ano passado a gigante chinesa vendeu 139,3 milhões de smartphones e garantiu uma quota de mercado de 9,5%.

Muita desta força vem do próprio mercado interno, a China, onde a Huawei conseguiu ultrapassar as duas grandes marcas do sector dos smartphones, a Samsung e a Apple. Só no ano passado a gigante chinesa vendeu 76,6 milhões de equipamentos ‘dentro de portas’, um valor que representa mais de 50% das vendas que teve a nível global.

O desempenho no mercado interno seria suficiente para colocar a Huawei entre as marcas que mais smartphones vendem, mas as ambições da empresa são globais. O forte crescimento que a tecnológica tem protagonizado estende-se especialmente ao mercado europeu, onde a Huawei tem ocidentalizado a sua marca com um objetivo bem claro: ser a maior vendedora de smartphones do mundo.

Huawei – Posição na Europa Ocidental
Future Behind | Março de 2017

Para atingir este objetivo a Huawei terá de conseguir ultrapassar uma outra barreira difícil e importante – o mercado norte-americano, onde a influência da marca é muito reduzida quando comparada com outras marcas de smartphones e especialmente quando comparada com o poder local da Samsung e da Apple. Nos EUA a Huawei não entra sequer no top 10 das marcas que mais vendem.

Mas sobre o desempenho no mercado norte-americano recomendamos um artigo publicado pela Fortune no início do ano e que aborda de forma muito completa essa demanda.

Do nosso lado quisemos saber e ficar a conhecer melhor a evolução que a Huawei tem tido no mercado português.

De desconhecidos a venerados

Durante algum tempo houve consumidores que usaram os smartphones da Huawei e provavelmente não souberam. Isto porque a empresa começou a operar como um fabricante de marca branca que produzia smartphones para os operadores de telecomunicações.

Esta aventura permitiu que a já então gigante no sector das telecomunicações, na área das infraestruturas, começasse a definir planos mais ambiciosos e concretos no segmento dos smartphones. Talvez muitos não se lembram, mas em fevereiro de 2009 a Huawei apresentou o seu primeiro smartphone Android durante o Mobile World Congress, sendo uma das primeiras empresas, a par da HTC, a investir no sistema operativo da Google.

O verdadeiro impacto da Huawei no mercado dos smartphones só surgiu em 2013 quando a empresa lançou os modelos Huawei Ascend P2 e Ascend P6 – este último é aquilo que podemos considerar como a origem daqueles que são hoje os Huawei P9 e P10.

Nestes últimos anos a Huawei tem dado saltos muito significativos e até mesmo impressionantes, sobretudo no que diz respeito à qualidade dos seus smartphones. O Huawei P7, apresentado em 2014, foi o primeiro equipamento a trazer uma construção e um design mais cuidado, naquela que foi a primeira tentativa de aproximação aos Galaxy S e aos iPhone.

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Em 2015 o lançamento do Huawei P8 veio acima de tudo confirmar a ambição global da empresa em querer chegar a número um. Começou a ser frequente nas apresentações a tecnológica chinesa colocar o seu equipamento lado a lado com os topos de gama da concorrência para mostrar que, de acordos com aqueles números, em nada ficavam abaixo do que já existia no mercado topo de gama.

Com a chegada do Huawei P9 em 2016 vimos acima de tudo a força de investimento em marketing que a Huawei estava disposta a colocar nos seus equipamentos. Mais do que nunca, as imagens dos smartphones da Huawei começaram a surgir nas ruas, nos sites, no YouTube, nas lojas e um pouco por todo o lado.

O Huawei P10 foi apresentado no Mobile World Congress e chega hoje, 31 de março, oficialmente a Portugal. Este smartphone é a confirmação de que a gigante chinesa está mais comprometida do que nunca com o segmento topo de gama e é aí que pretende começar a fazer dinheiro a sério.

Mas os lançamentos e a força que a marca foi ganhando é apenas um lado da moeda. Há outro lado muito importante e que corrobora sem qualquer dúvida o estatuto da Huawei. A IDC partilhou dados com o FUTURE BEHIND relativos à evolução da Huawei no segmento dos smartphones em Portugal.

Huawei – Taxa de crescimento em Portugal
Future Behind | Março de 2017

À exceção do ano de 2013 – mais à frente veremos porquê -, a Huawei tem apresentado taxas de crescimento sempre na casa dos dois digitos. Em 2016, um ano associado à estagnação, a Huawei quase que duplicou o número de equipamentos vendidos em Portugal. Só no último trimestre do ano passado, entre outubro e dezembro, a Huawei vendeu 165 mil smartphones no mercado português.

Este outro gráfico permite perceber como num espaço de tempo relativamente curto a tecnológica chinesa evoluiu em Portugal em termos de quota de mercado.

Em Portugal a Huawei já é a marca número 2 de smartphones, ficando apenas atrás da Samsung. Curiosamente, é justamente no modelo que a Samsung usou para alcançar o estatuto que tem agora que a Huawei se tem inspirado para obter um sucesso igualmente importante.

“Isto está a acontecer porque a Huawei no fundo está a seguir os passos da Samsung. Está a fazer três coisas essenciais. A primeira é construir marca. Tu vais a qualquer aeroporto da Europa, onde antes vias a marca Samsung neste momento vês Huawei, patrocinam clubes de futebol… A marca efetivamente está a crescer”, analisou o diretor de pesquisa da IDC EMEA para o segmento de comunicações móveis e sector de consumo, Francisco Jerónimo, em entrevista ao FUTURE BEHIND.

“O segundo elemento é o portfólio. Os telefones, o portfólio deles, melhorou substancialmente nos últimos três anos e não é só em termos de design. Falei com assistentes de reparação para um projeto que estive a fazer no ano passado e eles disseram que os Huawei são aqueles que têm a menor taxa de retorno com avarias. Eu depois confrontei a Huawei com isto e o que eles disseram foi: ‘Isso acontece porque nós não estamos nisto a curto prazo, portanto se demorarmos mais tempo a crescer, preferimos‘”.

Pelo posicionamento premium, o Huawei P9 representou um momento de viragem para a tecnológica chinesa. #Crédito: Future Behind

Depois surge a importância do ponto de venda. Para Francisco Jerónimo a Huawei também tem conseguido movimentar-se muito bem nesta área, o que ajuda a explicar as taxas de crescimento muito positivas mesmo numa altura em que o mercado dos smartphones está estagnado.

“Aquilo que levou a Samsung a crescer no fundo foi o que é conhecido por comprar market share. Era o que a Nokia fazia no passado e é o que a Huawei faz agora. O que é que é? Lanças o telefone, mas depois tens que garantir que os vendedores nas lojas de retalho sabem o que é que estão a vender. (…) A Huawei está muito agressiva. Dá formação, compra espaço em lojas. Tu entras em qualquer loja de telemóveis neste momento, tens um espaço para a Samsung e outro espaço para a Huawei. Tens ideia de quanto isso custa? São milhares e milhares de euros [por retalhista]”.

Como o próprio Francisco Jerónimo salientou, é normal que a presença da Huawei não seja uniforme em todas as lojas do país dos diferentes retalhistas, havendo uma clara aposta naqueles que são pontos estratégicos. Por exemplo, no Centro Comercial Colombo em Lisboa, foi onde a Huawei abriu a sua primeira loja física em Portugal, naquela que foi uma parceria com a Phone House.

“Houve um trabalhar do ponto de venda muito bom. E depois ainda temos outra quarta causa que é a relação que eles têm com os operadores”, acrescentou depois o analista da IDC.

Este ponto é especialmente interessante. Como também já tinha sido explicado no artigo da Forbes, a Huawei usa a sua posição forte como fornecedor de infraestruturas de telecomunicações para depois dar músculo ao mercado dos smartphones.

Um exemplo para que possa entender melhor o conceito: a Huawei vende um pacote de infraestruturas de telecomunicações ao operador A e isso teria um custo de X; mas se comprar o mesmo pacote de infraestruturas e mais um pacote de smartphones, o preço agregado é inferior ao que teria de pagar caso fizesse as aquisições em momentos distintos. Isto dá margem ao operador para gerir a venda dos smartphones de melhor forma, pois permite-lhe melhores margens na venda ao consumidor final ou permite-lhe aplicar descontos sem que isso afete significativamente a sua margem de lucro.

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O FUTURE BEHIND questionou a Huawei sobre se confirma esta tipologia de negócio com os operadores e se estes acordos também existem com os operadores em Portugal. A Huawei não respondeu. No total enviámos oito questões por email à empresa sobre diferentes temas relacionados com a sua estratégia para o mercado de smartphones.

“Isto é uma bola de neve. Isto são várias peças do puzzle que todas juntas levam a que a Huawei tenha crescido desta forma. Claro que para isto é preciso dinheiro. É preciso capital. Eles nisso têm sido muito bons, pois assumiram que querem ser o número um. E vão chegar a número um. A nível mundial”, afirmou Francisco Jerónimo, para depois continuar:

“Hoje não tenho a menor dúvida disso. No ano passado quando comecei a ouvir isso, os operadores diziam que acreditavam, mas eu ‘hmm…‘. Hoje não tenho a menor dúvida de que vão chegar a número um. Dois anos, três anos no máximo, estão em número 1 a nível mundial, se não antes”.

O próprio líder da divisão de consumo da Huawei, Richar Yu, traçou uma meta não muito distinta. “Queremos chegar ao segundo lugar em quota de mercado e, no futuro, ao primeiro lugar em 2021”, confidenciou à Fortune.

O forte crescimento e o forte investimento protagonizados pela Huawei fazem com que seja simples perceber estas previsões. Mas também é verdade que a Samsung não vai ficar sentada à espera para ver aquilo que o futuro lhe reserva. O Galaxy S8 é uma prova disso mesmo e volta a colocar a Samsung no topo do ecossistema Android – para já a nível mediático, restando saber se as vendas vão corresponder.

Um mundo de desafios

Quando comparamos as especificações do Huawei P10 com o Galaxy S8, por exemplo, o smartphone da Huawei sai claramente a perder em vários pontos de análise. Mas há um ponto importante no qual o Huawei P10 leva vantagem: no preço. À medida que o mercado topo de gama dá o salto para o chamado mercado ultra premium, a Huawei apresenta um dispositivo com especificações interessantes, com uma forte aposta na componente da fotografia e com um preço que é quase 200 euros inferior ao seu concorrente mais direto.

O Galaxy S8 não é no entanto o único topo de gama com o qual o Huawei P10 terá de se preocupar. Também há o LG G6 e o Sony Xperia XZ Premium, mas também estes vão apresentar-se com preços significativamente superiores.

Mesmo fazendo apenas algumas melhorias incrementais no seu novo topo de gama, a Huawei consegue ainda assim estar numa posição competitiva.

A questão da competitividade é especialmente importante pois de um momento para o outro tudo pode mudar. Por exemplo, na China a Huawei vende bem, mas já não é o maior vendedor nesse mercado – foi ultrapassada pela Oppo, vista por muitos como a nova empresa a manter debaixo de olho no segmento dos dispositivos móveis.

Há também um ponto de análise relativo ao mercado português que corrobora esta ideia. Em 2013 a Huawei teve uma taxa de crescimento negativo de 10% no mercado português. Porquê? Porque nem a cavalgada forte das empresas são imunes a factores externos.

No ano de 2013 sentiu-se o impacto da crise financeira que afetou Portugal e a Huawei sentiu ainda as entradas da Wiko e da BQ no segmento de média gama, pois na altura a marca chinesa ainda não tinha o mesmo posicionamento premium que tem atualmente.

Ainda que seja a segunda marca de smartphones mais vendida em Portugal em 2016, a verdade é que qualquer pequeno impacto negativo pode interferir com uma potencial chegada da Huawei à primeira posição no mercado português.

Ao fundo, por entre as câmaras, o diretor geral da Huawei Portugal, Chris Lu, durante a apresentação de mais um investimento da Huawei no mercado português, em janeiro deste ano. #Crédito: Future Behind

No ano passado a Huawei vendeu menos 120 mil smartphones do que a Samsung em Portugal, uma diferença muito considerável e que pode não fazer pender a balança para o lado da tecnológica chinesa no curto prazo. Por outro lado, a Huawei está confortavelmente no segundo lugar: vendeu mais 200 mil smartphones do que o terceiro classificado, a Apple, de acordo com valores partilhados pela IDC.

“A Apple por exemplo, nos últimos três anos tem vindo a crescer e no último ano cresceu bastante, de 2015 para 2016. Portanto se a Huawei pode atingir a Samsung? Não sei, mas posso-lhe dizer que vai ter problemas em fazê-lo, porque tem aqui marcas que em Portugal conseguem ter uma tração muito grande”, explicou a analista da IDC Marta Pinto, numa videochamada com o FUTURE BEHIND.

Mas o que é verdade para a Huawei, também pode ser para qualquer uma das outras empresas. A Samsung, do topo do seu primeiro lugar, viveu uma das piores crises de sempre com o caso polémico do Galaxy Note 7 – um smartphone que tinha tudo para ser vencedor e que acabou por transformar-se numa valente dor de cabeça.

De certa forma esta corrida entre fabricantes de dispositivos móveis faz lembrar as corridas de Fórmula 1: a diferença entre os pilotos em pista até pode ser considerável, mas qualquer fator externo, qualquer descuido, pode ser fatal nas ambições dos atletas devido à grande velocidade a que competem. Nos smartphones é igual: o mercado pode estar a estagnar, mas a velocidade de lançamentos e de grandes eventos não tem abrandado muito.

Marta Pinto lembrou depois um outro ponto muito, muito importante e que vai ter impacto no mercado de smartphones em 2017, seja especificamente em Portugal, seja no caso mais geral da Europa.

“Estamos aqui a esquecer a entrada da Nokia, que também tem um brand awareness muito importante sobretudo em países como Portugal que viram a entrada dos telemóveis ser feito por essa marca. Está ligada à génese da nossa existência tecnológica. Portanto vai também causar aqui uma mossa”.

Porque sim, a Huawei pode estar a crescer em estatuto, qualidade dos seus equipamentos e até no preço dos seus dispositivos topo de gama, mas continuam a ser os segmentos de preço de média gama aqueles que despertam um grande interesse nos consumidores. Basta lembrar que o Huawei P8 Lite foi um dos três smartphones mais pesquisados no Google em Portugal durante dois anos consecutivos – não foi o P8, não foi o P9, foi o P8 Lite.

Dependendo do compromisso da Huawei com o mercado português, a meta do primeiro lugar pode ser mais ou menos exequível. Os dados mostram que a Huawei está a crescer e está a crescer bem. Em países como a Finlândia, a Huawei já é o maior vendedor de smartphones. Pode até dar-se o caso em que a Huawei chega ao primeiro lugar a nível mundial e não em Portugal ou vice-versa.

A única certeza é que neste mercado não pode haver propriamente certezas. A Nokia, a Motorola e a BlackBerry, três das maiores forças de antigamente na área dos dispositivos móveis, desapareceram. Quem garante que o mesmo não acontece à Samsung, à Huawei e à Apple nos próximos anos? A disrupção tecnológica tem destas surpresas, mas não é à toa que este trio tem investido vários milhares de milhões de euros para assegurar os seus respetivos futuros.

Rui da Rocha Ferreira: Fã incondicional do Movimento 37 do AlphaGo.
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