Telmo Couto - Meus Jogos

A quem pertencem os meus jogos?

O último jogo que comprei em formato físico foi o Fire Emblem Fates para a Nintendo 3DS, numa edição especial que além de uma caixa bonita e alguns brindes interessantes, incluía as três versões possíveis da história do jogo. Havia outras formas de o comprar, escolhendo uma história em formato físico para depois adquirir as restantes digitalmente ou simplesmente optando pela versão 100% digital. Mas esta edição, além de ter uma caixa bonita, é minha.

O sentimento de pertença no mundo digital é cada vez mais uma grande ilusão. Primeiro foi com a música, depois os filmes e agora os videojogos: à medida que nos oferecem formas mais convenientes de aceder imediatamente aos conteúdos que queremos, também nos retiram a noção básica de ter o que quer que seja. Para quê comprar música se, com uma subscrição do Spotify, podemos ouvir o que nos apetecer, desde que esteja disponível? Trocamos a posse de alguns conteúdos pelo acesso a um catálogo muito superior e agora, de nosso, restam uns velhos CDs e DVDs a fazer decoração na prateleira.

O mercado dos videojogos ainda não tem um serviço de stream equiparável a um Spotify ou a um Netflix, mas a Sony já deu os primeiros passos na área com o PlayStation Now. Por um determinada mensalidade, pode-se aceder a um catálogo de videojogos e jogar o que quiser, quando quiser. É um tipo de serviço que tem tudo para se tornar muito popular no futuro e muitos alegam já ser o caminho lógico a seguir. Afinal, quem tiver apostado contra o sucesso do Netflix porque as pessoas gostavam de ter os filmes em casa, ficou claramente a perder.

Sendo eu próprio um grande consumidor deste tipo de serviços, apreciando a sua conveniência, tenho também a noção de que, um dia, os mesmos podem ser desligados e eu fico sem qualquer acesso aos conteúdos de que tanto gosto. Não tenho tanta noção, porém, da facilidade com que os mesmos podem desaparecer de um serviço ativo. Normalmente, só me apercebo dessa limitação quando deixo de encontrar algo que vi anteriormente no catálogo e decidi deixar para depois.

Mas se os serviços de streaming são bastante claros relativamente ao que oferecem, o que dizer das aquisições digitais? Aqui entramos numa área cinzenta de aquisição de licenças que não são bem a mesma coisa, e o que não faltam são exemplos infelizes de que os jogos digitais não são realmente nossos. Muitos serviços adotaram a política de permitir comprar uma vez e poder descarregar o jogo quantas vezes se quiser, com mais ou menos restrições à volta do número de equipamentos a utilizar, por oposição ao “aluguer” do software. Muitas vezes, o preço dos jogos em formato digital ou físico é idêntico, mas os benefícios de um ou outro são bastante diferentes. A conveniência de ter um jogo instalado na memória vem com o preço da sua efemeridade, com uma silenciosa contagem decrescente até ao dia em que a loja seja fechada e não se possa voltar a descarregar – cuidado para não o apagar!

Nos dispositivos móveis, as coisas são muito mais descontroladas. Um jogo que funcione no telemóvel atual, poderá ou não funcionar no seguinte. No caso do Android, a compatibilidade do software com os equipamentos é uma roleta russa, mas também no caso do iOS há situações infelizes. Imaginem que uma atualização de software para a PlayStation 4 a tornava incompatível com o Uncharted 4 – um verdadeiro absurdo! Pois é o que acontece às vezes com alguns jogos para iOS, que ficam incompatíveis com versões mais recentes até que os criadores façam uma atualização para resolver o problema. O Ghost Trick: Phantom Detective é um exemplo disso, tendo ficado indisponível por mais de um ano na App Store até que a Capcom o trouxesse de volta. Entretanto, o cartão de jogo com o mesmo Ghost Trick, lançado em 2010 para a Nintendo DS, continua a funcionar perfeitamente até aos dias de hoje. Pior ainda, é quando os jogos são lançados como serviços e, ao fim de algum tempo, são simplesmente desligados.

A questão de posse não é tão relevante a curto prazo como o é ao fim de vários anos. Sou consumidor de jogos digitais e aprecio bastante a sua conveniência, mas entristece-me mais a possibilidade de um dia não os poder jogar porque encerraram algum serviço, do que propriamente o facto de não os ter na prateleira. São umas licenças que posso utilizar, mas não são jogos meus. E é por isso que ainda hoje prefiro comprar em formato físico os jogos de que mais gosto. Daqui por uns anos, o Angry Birds ou o Monumento Valley poderão ter desaparecido por completo, mas o Super Mario Bros. original ainda há-de funcionar na velhinha NES.