As consolas de ‘meia geração’ estão a chegar. E agora?

Tudo começou com um susto vindo da Microsoft, quando Phil Spencer afirmou que o futuro das consolas poderá passar por um sistema de atualizações de hardware, à semelhança do que acontece com o PC. A ideia de se trocar partes de uma consola para melhor desempenho foi rapidamente posta de parte, mas a possibilidade de em breve ser lançada uma Xbox 1.5 foi suficiente para deixar os fãs nervosos.

Coincidência ou não, a Sony tem planos muito semelhantes para a sua PlayStation 4, tendo sido reportado recentemente que a empresa está a desenvolver uma versão melhorada da consola, capaz de correr jogos com melhores gráficos e maior fluidez. Com o nome de código “Neo”, a nova PS4.5 será compatível com todos os jogos PS4, sendo que os novos jogos poderão tirar partido do poder acrescido, mas serão obrigados a ter compatibilidade com o modelo original em todas as funcionalidades. Jogos já existentes poderão eventualmente receber atualizações para esta versão, especialmente os que no hardware original têm dificuldade em manter os gráficos fluidos. E embora a Sony ainda não se tenha pronunciado acerca deste assunto, os fãs estão bastante irritados.

Desde a velhinha Nintendo Entertainment System, os jogadores estão habituados a manter uma consola durante vários anos, com ciclos que têm habitualmente variado entre os 5 e os 8 anos. É um investimento avultado, mas duradouro, que garante acesso a um vasto catálogo de videojogos que é atualizado com novos conteúdos por muito tempo. Nas últimas gerações, tem sido habitual as marcas atualizarem o hardware com versões mais pequenas ou melhor rendimento, mas o output de uma consola era consistente: qualquer jogo PlayStation 3 corre da mesma forma em qualquer modelo da PS3. Agora os 40 milhões de utilizadores da PS4 vêm-se na perspectiva de ficar com uma consola “de segunda” em comparação com os que comprarem a “Neo” PS4. E ninguém esperava ter de atualizar uma consola a meio de uma geração.

Quando se olha para o segmento das consolas portáteis, o cenário muda bastante de figura. Tradicionalmente, a Nintendo tem feito várias iterações das suas consolas portáteis, com vários modelos da mesma consola e até modelos de meia geração. A Nintendo DS, a portátil mais popular de sempre, foi um exemplo disso com a DSi. Esta corria todos os jogos da Nintendo DS, mas tinha melhor processamento, novas funcionalidades e acesso a uma loja digital com títulos exclusivos. A Nintendo 3DS, atualmente no mercado, coexiste com a New Nintendo 3DS, que além de um melhor efeito 3D e melhor processamento, oferece também novas funcionalidades. Há poucos títulos exclusivos para a New 3DS, e apenas um deles está disponível em formato físico, mas desde que a consola saiu que tem bastantes jogos importantes a tirar partido das novas funcionalidades. Alguns exemplos disso são jogos muito populares como Super Smash Bros., Monster Hunter 4 Ultimate e Hyrule Warriors Legends, que têm em comum o facto de correrem muito melhor na New 3DS do que na consola original.

A segmentação do mercado é um problema para os criadores de jogos. No caso das portáteis da Nintendo, os que fizeram jogos a pensar na mais recente tiveram de sacrificar algumas caraterísticas para que também corressem na original, não fosse assim perder-se uma enorme fatia do mercado. Os restantes simplesmente não se preocupam em adicionar algo que só poderá ser desfrutado por quem tiver comprado o melhor equipamento. Quanto aos jogadores, quando compram uma consola, dividem-se entre os que procuram a melhor versão ou a mais barata. Foi nestes últimos que a Nintendo pensou quando lançou a Nintendo 2DS, uma versão inferior da 3DS a preço mais acessível e que mesmo assim é compatível com todos os jogos da consola. Mas quando saiu a New 3DS, quem já tinha uma 3DS original começou a sentir que jogava a versão inferior dos novos jogos lançados para a plataforma.

Crédito: Nintendo

Nem todos os jogadores se importam muito com os gráficos. No entanto, quando falamos na marca PlayStation, há uma associação natural à ideia de bons gráficos, estabelecida pelo investimento que as suas consolas sempre fizeram nesse departamento. Pode dizer-se que os fãs da PlayStation querem ter os melhores gráficos em consola e também que são os fãs a grande maioria dos 40 milhões de compradores da consola. E são os mesmos fãs que se sentem mais prejudicados com a ideia de um modelo melhorado chegar ao mercado, tentando “obrigá-los” a gastar mais uns 400€ para correr os jogos com maior definição. O impacto deste lançamento poderá variar muito conforme a forma como a consola for apresentada e quais as suas características. Se a única diferença for o output para televisores 4K e a reprodução de multimédia nesse formato, por exemplo, não haverá grande importância para os jogadores que não tenham um desses ecrãs em casa. Se, por outro lado, acontecer como a New 3DS onde para a mesma resolução se nota uma qualidade gráfica bastante superior, então muitos fãs irão sentir-se forçados a trocar a consola.

As consolas estão a mudar. Os conceitos de geração e ciclos de vida estão a ser desafiados por todos os fabricantes de hardware. A PlayStation 4 e a Xbox One foram lançadas no final de 2013 e atravessaram 3 épocas natalícias, mas só agora começam a ver os primeiros grandes títulos originais que habitualmente definem uma geração, após anos de lançamentos de versões remasterizadas de jogos antigos. Agora, ainda antes do 3º aniversário, surgem as primeiras conversas acerca de uma “remasterização” das próprias consolas. A Nintendo, cuja Wii U lançada em 2012 é a sua consola menos popular de sempre, já anunciou o lançamento de uma nova consola com o nome de código NX para março de 2017. É uma posição bastante diferente, no entanto. A Nintendo tem em mãos um sistema que não consegue comercializar, enquanto as restantes têm sistemas bastante populares, principalmente no que diz respeito à PS4. Ainda assim, será curioso ver como este refrescamento das consolas se traduz ou não numa oportunidade da Nintendo se colocar a par com os topos de gama das outras marcas, em termos de hardware.

A grande questão no meio disto tudo é a forma como o mercado irá reagir a estes novos produtos. As consolas domésticas, hoje em dia, estão vinculadas a um conceito de durabilidade que fica fragilizado com esta mudança. Se no caso das portáteis os preços são relativamente acessíveis, nas grandes consolas o preço do hardware é bastante superior. E no caso de uma atualização, o modelo original fica imediatamente desvalorizado no momento em que é anunciado o novo. Pior ainda, nada garante que os fabricantes não tentem repetir a proeza daqui a outros 3 anos. Daquilo que se sabe até agora, continua a parecer melhor ideia investir-se num PlayStation VR para a PS4 e experimentar as novidades da Realidade Virtual, do que gastar esse dinheiro num modelo melhorado da consola. A não ser que esse modelo também seja mais indicado para se tirar partido desta tecnologia.



Telmo Couto: Engenheiro informático de profissão, sou um fã de videojogos e acompanho a indústria desde a adolescência, ainda no tempo das revistas. Escrevo regularmente para o Meus Jogos, onde há 6 anos lidero uma equipa de críticos amadores.
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