Jogatanas e Manias

Jogatanas e Manias #34: Varejense e Puzzle Bobble, uma História de Verão

Verão de 2003. Passado inteiramente entre casa e praia, ia tendo interlúdios ao fim-de-semana. De julho a agosto, os meus pais respeitavam uma tradição que se mantivera apenas naquele ano: Deslocarmo-nos, sempre pelas 12h45 de sábado, até ao Varejense. Perdão – Clube de Futebol O Varejense.

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Não se iludam com a palavra futebol: primeiro, porque a modalidade praticada era futsal no que, na altura, era um daqueles campos de asfalto onde uma queda em falso se tornava crosta e betadine na certa. E depois porque não íamos ver a equipa jogar, mas sim comer frango assado feito pelo Sr. Valadas, o divertido e bonacheirão dono do clube que fazia as vezes de mestre da grelha e que, anos mais tarde, me gritaria sempre que percebia que ia jogar a titular: HOJE NÃO É PARA DEIXAR ENTRAR FRANGOS, OH PÉS DE MANCO!

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Dizem as más línguas que são mais os frangos que as defesas que deixei no mítico ringue – agora, muito mais arranjadinho.

Porque raio decidi contar-vos a história dos grelhados do Valadas? Porque, depois de almoço, chegava o momento que me capturou a imaginação e o pensamento durante todo esse verão: a ida à sala com as arcadas. De King of Fighters até Samurai Shodown e Street Fighter 2, a escolha de fighters não só era variada como replete de qualidade. Posso dizer, com quase 100% de certeza, que não terei mexido em nenhuma destas cabinas. A minha atenção recaía apenas numa: A de Puzzle Bobble.

O Verão de 2003 foi o momento exato em que descobri aquele que se viria a tornar o meu jogo de puzzle favorito. Puzzle Bobble, para todos os que são pós-2000, é um jogo desenvolvido e lançado pela Taito que, na realidade, serve como sequela de Bubble Bobble, um clássico de 8 bits da mesma equipa. Se em Bubble Bobble subíamos plataformas com recurso à criação das ditas bolhas, transformadas a partir dos inimigos, em Puzzle Bobble mudamos a fórmula para a tornar muito mais direta.

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Quase que dá para ouvir logo a música, não é?

Saem as plataformas, entram uma espécie de seta a partir do qual os adoráveis dinossauros (acho EU que são dinossauros) colocam bolas coloridas que precisamos de, com a nossa pontaria, lançar na direção das cores respetivas. Rebentam de 3 em 3 – ou mais – e o objetivo é simples: limpar o ecrã para passar de nível.

Dito assim, parece absolutamente simples e sem interesse. Sublinho o “parece”. Porque, se o vosso exemplo for títulos mobile como Bubble Witch Saga, com uma versão mais predatória deste loop de jogabilidade, de facto a visão sobre o jogo poderá ser negativa.

Nas várias cópias mobile, a limpeza de cada nível está mais associada ao RNG das cores que nos calham (muito mais simpático quanto mais investimos no jogo) que necessariamente à nossa destreza motora e capacidade de gestão de recursos para libertar várias bolhas de uma jogada só. Aliás: de uma tacada só, porque as semelhanças com o bilhar e snooker são por demais evidentes. Aqui, dependemos só da nossa pontaria e visão quase matemática do ricochete que cada bola poderá fazer, nas paredes do nível, para chegar até ao local que desejamos.

Puzzle Bobble tornou-se absolutamente especial também pelo contexto em que o vivenciei. Primeiro, porque tinha direito apenas a uma moeda por almoço, portanto tinha apenas uma hipótese para chegar o mais longe possível no jogo e, se tiverem familiaridade com jogos arcada, sabem certamente que não são conhecidos por facilitar. Esta incapacidade de treinar levou-me a, ainda muito verdinho nas questões da emulação, descobrir a Neo-Geo e todo um catálogo absolutamente fabuloso de títulos arcada aos quais, infelizmente por meios legais, nunca teria tido acesso àquela época.

Foi nessa pesquisa que, ao conseguir emular Puzzle Bobble, treinei afincadamente em casa para, nos momentos a valer, no Varejense, conseguir impressionar a minha família e chegar o mais longe possível. Porque a segunda parte nasce pelo momento em família que ali se criava: nós os quatro fomos muito distantes uns dos outros na maior parte dos nossos gostos e interesses. Principalmente no que toca a jogos, onde estava destacadíssimo e, muitas vezes, olhado com receio que a minha vida académica se descurasse.

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Principalmente porque tinha – e tenho – muito, MUITO mau perder.

A minha mãe jogara apenas Tetris no seu Brick Games e, quando me acompanhou até à arcada e viu a jogabilidade simples, decidiu, após perder a minha vida, tentar ela. Foi a primeira vez que a minha mãe jogou comigo. A ela, juntou-se depois o meu pai e por fim a minha irmã e, todos os sábados, depois do frango assado do Valadas, jogávamos, um a um, Puzzle Bobble e tentávamos ver quem chegava mais longe. Registávamos os níveis, dávamos dicas uns aos outros, apoiávamos quando um de nós conseguia ultrapassar algum obstáculo.

São das poucas memórias que tenho da minha família, junta, de uma forma saudável. Puzzle Bobble, entretanto, já tinha 9 anos nesta fase e, portanto, já se encontrava na sua fase descendente de popularidade. No Japão e, debativelmente, no Ocidente, fora um dos jogos de arcada mais populares do seu ano. De tal forma que, aos dias de hoje, são ainda criados vários jogos dentro da chancela Puzzle Bobble, ou Bust-A-Move, dependendo do território.

A jogabilidade é diabolicamente simples e ao mesmo tempo, absolutamente frustrante no bom sentido. Não nos frustra falhar, frustra sabermos que é tudo um mero cálculo falhado, um joystick que rodámos demais, uma jogada demasiado impaciente. Como os melhores títulos do género, deixa sempre o sabor na boca para dar “só mais uma dentada”. As sequelas acrescentam mais detalhes ao jogo, como modos competitivos de dois jogadores, um modo história, caminhos diferentes a seguir com níveis distintos para cada um.

No entanto, para mim, Puzzle Bobble será sempre mais do que um excelente jogo de puzzle. Será a memória do Verão de 2003, dos inícios de tarde solarengos em que me sentia parte integrante da minha família e verdadeiramente aceite. Não sei dizer quem acabou por ir mais longe no jogo, embora suspeite que tenha sido a minha mãe. Sei dizer que ela não voltou a jogar nenhum jogo comigo até 2014, momento em que a surpreendo a jogar no Facebook e ela me pergunta: queres ajudar-me? Era Bubble Witch Saga. Pensei nas 1001 coisas que poderia dizer sobre aquele que, aos meus olhos, era só uma cópia barata, uma fonte de lucro mascarada de videojogo, como lhe podia mostrar vários títulos ou sequelas muito melhores que aquilo.

Um segundo do que pareceu uma eternidade depois, respondi: Claro que sim, deixa experimentar.