Oculus Rift

O passado da Oculus está em tribunal e isso pode definir o seu futuro

Não é um caso como ‘Apple vs. Samsung’ ou ‘Oracle vs. Google’. Mas a batalha legal que está a decorrer entre a ZeniMax e o Facebook tem pontos de interesse suficientes para merecer a atenção de todos nós. Mais não seja porque parte do futuro da realidade virtual, a tecnologia que só em 2016 (re)começou a descolar, pode estar de certa forma em causa.

Começando pela apresentação dos intervenientes. A queixosa é a ZeniMax Media Inc., uma empresa norte-americana que detém alguns dos estúdios de videojogos mais influentes da atualidade: Arkane Studios, id Software, MachineGames, Tango Gameworks e Bethesda Softworks, entre outros.




No banco dos réus está sentado o Facebook, o colosso das plataformas sociais e de comunicação. Mas o Facebook só está nesta posição por ter comprado em 2014 a Oculus VR num negócio avaliado em dois mil milhões de dólares. Pois a queixa que existe remonta aos primeiros tempos da Oculus enquanto projeto e empresa.

Sucessão de acontecimentos

Em 2012 o fundador dos Oculus Rift, Palmer Luckey, decidiu ir até à Electronic Entertainment Expo fazer negócio. Na prática o jovem norte-americano foi até ao maior evento de videojogos do mundo para mostrar, à porta fechada, um protótipo dos Oculus Rift e também algumas demonstrações de software.

Uma dessas demonstrações foi o jogo Doom 3, desenvolvido pela id Software, um dos estúdios detidos pela ZeniMax. Nessa época Palmer Luckey manteve contacto com um dos engenheiros de proa da id Software, John Carmack – mais conhecido por ser o criador de Doom.

John Carmack ajudou Palmer Luckey no desenvolvimento da tal demonstração do jogo e para isso usou material proprietário do seu estúdio.

Mas para que tudo isto acontecesse, Palmer Luckey teve de assinar um termo de não divulgação (NDA na sigla em inglês) com a Zenimax para poder trabalhar nessa demonstração. Nesse NDA, o fundador da Oculus comprometia-se igualmente a não usar tecnologia da Zenimax para ganhar vantagem competitiva sobre a empresa.

Palmer Luckey foi mais longe e acabou por usar imagens do jogo Doom 3 na vídeo de promoção dos Oculus Rift na sua campanha no Kickstarter, além de ter prometido a inclusão de jogo em alguns bundles dos óculos de realidade virtual – sem que houvesse um acordo com a ZeniMax que cobrisse estes elementos.

Nos meses que antecederam a E3, a ZeniMax tinha procurado alcançar uma parceria e uma participação direta na Oculus, tendo chegado a oferecer 1,2 milhões de dólares por 5% da empresa. O acordo entre as partes nunca chegou a ser concretizado.

Oculus Rift
Imagem do protótipo dos Oculus Rift em 2012, apresentada na campanha de financiamento colaborativo no Kickstarter. #Crédito: Oculus

A Oculus continuou a desenvolver o seu projeto, muito às custas dos 2,3 milhões de dólares angariados através do Kickstarter em 2012. Durante a Consumer Electronic Show, em janeiro de 2013, a Oculus voltou a fazer demonstrações da sua tecnologia, desta vez sem qualquer produto relacionado com a ZeniMax.

Em agosto de 2013 John Carmack, da id Software, junta-se oficialmente à Oculus VR como seu diretor tecnológico.

Em março de 2014 o Facebook adquire a Oculus VR por dois mil milhões de dólares. Dois meses depois a ZeniMax Media Inc. apresenta formalmente uma queixa contra o Facebook a propósito da Oculus.

Estes são os factos. Agora começam as alegações.

Braço de ferro em tribunal

De acordo com a ZeniMax, a Oculus apropriou-se ilegalmente de propriedade intelectual que pertencia aos seus estúdios para usar no desenvolvimento dos Oculus Rift.

“As provas incluem o roubo de segredos comerciais e informação altamente confidencial, incluindo código computacional. A ZeniMax também vai apresentar provas da destruição intencional de provas por parte da Defesa para cobrir os seus enganos”, declarou a ZeniMax em declarações ao The Verge.

Já o Facebook deflete todas e quaisquer acusações, rotulando a ZeniMax de aproveitadora. “Estamos desapontados que outra empresa esteja a usar litigação dispendiosa na tentativa de ficar com crédito por uma tecnologia que não teve a visão, a perícia e a paciência para desenvolver”.

As acusações da ZeniMax contra a Oculus já têm mais de dois anos, mas só agora é que o caso está a ser debatido em tribunal, levando a depoimento algumas das figuras mais proeminentes das respetivas partes. Incluindo o diretor executivo do Facebook, Mark Zuckerberg.

O CEO da maior rede social do mundo negou as acusações feitas pela empresa queixosa.

“Estamos muito confiantes que os produtos da Oculus são construídos com tecnologia da Oculus. A ideia de que os produtos da Oculus são baseados na tecnologia de outras pessoas é simplesmente errada”, disse Mark Zuckerberg perante os juízes, citado pelo The New York Times.

Depois respondendo diretamente a uma questão do advogado da ZeniMax, Zuckerberg teve uma das suas tiradas mais duras.

“É bastante comum quando anuncias um grande acordo ou fazes algo que todo o tipo de pessoas saem das suas secretárias e reivindicam uma parte do negócio. Como muitas pessoas na sala, nunca tinha ouvido falar antes na ZeniMax”.

Uma pesquisa no Google teria resolvido facilmente a questão, mas Zuckerberg parece ter preferido manter-se focado no contra-ataque à empresa queixosa.

Ontem foi a vez de Palmer Luckey dizer de sua justiça. O cofundador da Oculus e pessoa responsável pela construção do hardware admitiu ter usado código da ZeniMax relativamente à preparação das demonstrações na E3, mas nega ter violado qualquer acordo de não divulgação.

Luckey defende-se a dizer que mostrou, na prática, a tecnologia a funcionar e nenhum do código que estava a alimentar essa tecnologia, mantendo assim em segredo a propriedade intelectual da ZeniMax. “Executei-o e demonstrei-o através dos óculos. Não é verdade que tenha roubado o código”, complementou, citado pela Bloomberg.

Palmer Luckey Oculus Rift
Palmer Luckey durante a conferência Oculus Connect 2, em 2015. #Crédito: Facebook

Mas o que parece que de facto mexeu com os ‘nervos’ da ZeniMax foi a saída de John Carmack da id Software para a Oculus. Por isso é que a empresa diz que a transformação dos Oculus Rift num equipamento de realidade imersiva todo-poderoso contou com a ajuda da propriedade da ZeniMax.

John Carmack também já passou pelo tribunal e as suas declarações podem acabar por ter um peso significativo na avaliação do caso. O engenheiro confirmou de facto que copiou ficheiros do seu computador enquanto funcionário da id Software para levar para a Oculus. Contudo, John Carmack recusa a ideia de que tenha sido usada qualquer tecnologia da ZeniMax a favor do desenvolvimento dos Oculus Rift.

A ZeniMax está a procurar uma compensação de dois mil milhões de dólares pelos alegados danos causados pela Oculus VR, derivados do suposto roubo de informações confidenciais e proprietárias. Mesmo que o caso venha a ser decidido a favor da ZeniMax, o valor de uma hipotética compensação poderá nunca ser equivalente àquele que a empresa exige.

Mas sabendo que Mark Zuckerberg já admitiu que o Facebook terá de investir pelo menos mais três mil milhões de dólares nos próximos dez anos na realidade virtual, por forma a tornar o conceito verdadeiramente apelativo e acessível, então qualquer compensação avultada pode ter impacto neste plano a longo prazo naquela que é uma das empresas que mais está a puxar pelo segmento da realidade virtual.

Isso e o facto de poder vir a criar uma imagem negativa para os Oculus Rift como produto. Mas até que a sentença seja lida, todos estão inocentes.