Façamos uma pequena viagem no tempo. Vamos fazer de conta que estamos em outubro de 2013, o mês que antecede a chegada da PlayStation 4 e da Xbox One ao mercado. Nesta altura discutem-se as funcionalidades de cada plataforma de jogo, o poder gráfico de cada uma das consolas e acima de tudo o alinhamento de exclusivos que vão apresentar.
Em outubro de 2013 ninguém discute a importância que os computadores vão representar para as consolas de nova geração. E nem seria de esperar o contrário: o mercado das consolas domésticas sempre muito fechado em si mesmo e líder da indústria dos videojogos. Ligação entre PC e consolas? Apenas para tarefas muito específicas.
Acontece que nos anos seguintes o computador vai voltar a assumir uma grande importância como plataforma de gaming, graças à evolução rapidíssima do hardware e também graças a novos modelos de negócio, como aquele que o Steam vai trazer. Falar assim é fácil pois já sabemos o que acontece depois de outubro de 2013, mas esta pequena retrospetiva ajuda a colocar em perspetiva uma ideia importante.
Quem diria nessa altura que tanto a PlayStation como a Xbox estariam a lutar, passados quase três anos, por uma posição central no computador dos utilizadores? A PlayStation 4 e a Xbox One já não se encerram em si próprias, estão a criar um forte cordão umbilical com o computador como máquina de jogo.
Evoluir é saber adaptar-se
Os mais recentes anúncios da Sony Interactive Entertainment ajudam a perceber esta necessidade de colocar a PlayStation na rota dos computadores.
Ontem, 23 de agosto, a empresa japonesa anunciou que a sua plataforma de jogos por streaming, o PlayStation Now, vai ficar disponível para computadores Windows. Isso significa que será possível aceder a mais de 100 títulos das consolas Playstation anteriores – incluindo nomes de peso como The Last of Us e God of War III – sem ser obrigatório ter qualquer hardware da PlayStation.
O serviço só estará disponível numa primeira fase no Reino Unido, na Bélgica e nos Países Baixos – isto na Europa. Mas mostra uma clara necessidade de a empresa ter uma presença no segmento dos computadores pessoais – ainda para mais sabendo que a Microsoft está a fazer do Windows 10 o melhor amigo da Xbox One, mas sobre isso já falaremos.
Para acompanhar o anúncio do PlayStation Now no PC – uma versão para computadores Mac ainda está a ser avaliada -, a SIE anunciou o lançamento de um adaptador USB sem fios para que o comando DualShock 4 seja totalmente compatível com o PC e com os Mac.
O adaptador vai custar 25 euros e vai estar disponível a partir do dia 25 de setembro. Tem o aspeto de uma pen USB e faz de forma simples e rápida a configuração do comando para os jogos PlayStation em ambiente PC.
Este periférico seria pouco interessante para os jogadores portugueses caso apenas fosse compatível com o PlayStation Now. Mas é aqui que recuperamos uma outra novidade que a PlayStation trouxe até aos seus jogadores nos últimos meses: a possibilidade de fazerem stream dos jogos da PlayStation 4 para um PC e Mac.
A atualização Musashi disponibilizada em abril trouxe essa capacidade de a PS4 comunicar com um computador. Os jogos só podem ser jogados numa resolução máxima de 720p – o que é um ponto negativo desta interação, pois alguns títulos perdem qualidade visual – e era sempre necessário ter o comando DualShock 4 ligado por cabo USB. Com o novo adaptador poderá jogar sem fios.
A PlayStation 4 já vendeu mais de 40 milhões de unidades
Mas porquê esta mudança súbita na Sony? Porquê o apelo do computador sabendo que a PlayStation 4 até está a vender bem e que em breve haverá uma consola capaz de suportar jogos em Ultra HD, tal como os computadores mais potentes o fazem?
A resposta mais óbvia está na rival Microsoft.
Abençoado Windows
A Microsoft começou cedo a explorar a interação entre a Xbox One e os computadores Windows através da aplicação Xbox que existia para o sistema operativo, mas a empresa sabia que podia fazer mais. Aliás, a Microsoft viu que num curto espaço de tempo tinha duas das principais plataformas de gaming do mundo: a Xbox e o Windows. Então porque não tirar proveito desta oportunidade?
Foi isso mesmo que a tecnológica norte-americana começou a fazer e em grande ritmo. A chegada do Windows 10 – aos computadores e à consola – veio acelerar por completo esta simbiose. Há já vários meses que é possível jogar jogos da Xbox One no computador, pelo que é a Sony quem está a correr atrás do prejuízo.
Mas no caso da Microsoft nota-se também uma grande vontade em explorar o computador como um complemento importante à experiência que a consola domestica já garante. O sinal mais claro desta estratégia chama-se Xbox Play Anywhere.
Este é um programa que permite ao consumidor comprar um jogo na Xbox One e tê-lo também disponível de ‘raiz’ no computador – e vice-versa. Este é um argumento muito forte sobretudo junto da comunidade de jogadores hardcore. E ao aumentar a disponibilidade dos seus videojogos a Microsoft está também a ser amiga dos estúdios de desenvolvimento pois está a garantir-lhes um público-alvo de dimensão muito maior.
A grande questão é que os ‘exclusivos’ da Xbox One já não são assim tão exclusivos da consola. Agora são “exclusivo Xbox One e Windows 10” como referiu várias vezes a tecnológica na sua apresentação durante a E3 2016. Perder alguns dos exclusivos na consola pode ser mau para a Xbox One, mas com este programa a Microsoft permite que os jogadores de PC comecem a tomar o gosto às suas franquias mais exclusivas como Gears of War.
Já estão confirmados 12 jogos compatíveis com o programa Xbox Play Anywhere
O que isto significará para a Xbox One ainda não é certo, mas parece claro o que significa para o computador: será um ecossistema cada vez mais forte. Na prática a Microsoft não terá um grande problema com isto pois seja na Xbox, seja no PC, o que importa é que o gaming fique centrado numa das duas – ou nas duas se possível – plataformas da empresa.
No computador a Microsoft tem a concorrência do Steam em termos de receitas, mas o facto de ser possível comprar jogos AAA – como Rise of the Tomb Raider – na loja do Windows, tal como se estivéssemos a comprar uma outra aplicação qualquer, torna o processo de compra mais ‘amigável’.
Olhar para o futuro
A necessidade de haver consolas de meia geração – Xbox One S, Project Scorpio e PlayStation 4 ‘Neo’ – mostra que o computador é neste momento um ecossistema mais apelativo. A possibilidade de fazer atualização de hardware no computador garante-lhe na prática uma máquina sempre atualizada e pronta a tirar o maior proveito das tecnologias de ponta que vão sendo aplicadas no gaming.
É até possível que o futuro das consolas passe um pouco por aqui – pela sua capacidade de atualização modular, ou seja, atualizar apenas a componente gráfica e não ser obrigado a trocar de consola de cada vez que quer dar um salto geracional.
O suporte para equipamentos de realidade virtual também deverá obrigar as consolas domésticas a seguirem o caminho da atualização de hardware – são experiências muito exigentes do ponto de vista gráfico e o computador que suporta as experiências de 2016 pode já não suportar as melhores experiências do final de 2017.
O mundo do gaming está a evoluir de forma feroz e esta preocupação da Sony e da Xbox com o computador é apenas uma dessas consequências. Quem diria.